/DOMINGÃO DE QUARENTENA, MELHORES MOMENTOS na vida de um solteiro trancafiado

DOMINGÃO DE QUARENTENA, MELHORES MOMENTOS na vida de um solteiro trancafiado

Acordei antes do sol. Quis me certificar de que nasceria, vai que o astro-rei foge com a lua e entra em quarentena. Dormi, como sempre, abraçado a meu  travesseiro, essa é a vida do solteiro. Fiz um carinho na Ilha, uma gata daquelas que só fazem miau, infelizmente. A danada estava querendo mesmo era ver ração no pote. Em seguida tratei do meu café. Por ser domingo, ovos mexidos e uns croissants que sempre reservo para visitas especiais e que resolvi devorar antes de mofarem. E também por gula, porque ninguém é de ferro.

Aliás, comida é um tema central. Checar as provisões, calcular quantos dias poderia ficar aqui sem ter que enfrentar a possibilidade do vírus. Calculei em dez dias. Almoço de hoje também vai ser diferente: ravióli com molho de tomate. Vou aproveitar porque depois só terei feijão sem arroz (engorda muito). Jantar: salada caprichada, mas, salada… O problema é que há apenas uma mísera barra de chocolate. Ó decisão cruel, terá que ser racionado para durar ao menos uma semana. Além de gostoso dizem que o chocolate substitui o prazer sexual. Nunca aconteceu comigo, mas sigo tentando.

De manhã, a melhor parte do dia: a ronda afetiva, disparando mensagens de carinho  e amor para amigos, parentes, para alunos e alunas dos meus grupos de leitura. Por falar nisso, duas mensagens de ex-alunos me emocionaram. Um, que mora perto de mim, se ofereceu para fazer compras, afinal o motor 5.9 me coloca no grupo de risco. Uma ex-aluna, também muito querida, se ofereceu para que ela e o namorado me comprassem provisões, só que eles nem moram perto, residem na Tijuca. Até agora não é necessário.

Ou, como diria o sujeito que despenca do 20o. andar no momento em que está passando apenas pelo 14o.:

– Até agora tudo bem…

Depois me dedico à criação de um grupo no Facebook, para o curso ONLINE A hora e vez de Augusto Matraga. Eu sou professor, bem ou mal, nasci para isso. E se eu parar de dar aula eu enlouqueço (mais ainda? diriam meus alunos). Também é uma forma de ajudar as pessoas a passarem o tempo de uma maneira relevante, aprendendo algo novo. Enquanto isso esse dinossauro aqui tenta se adaptar a aulas não-presenciais, logo eu que sempre dispus meus alunos em círculos para ter a possibilidade do olho-no-olho. Mas tudo muda o tempo todo.

Depois do almoço, uma sonequinha, espero sonhar com gatas que não precisem de ração. E que gostem de feijão.

À tarde, me esperam os cruéis contos da norte-americana Flannery O’Connor, em um livro cujo título  já diz tudo “Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias”. Estava lendo um romance de uma indiano-americana: “Escola de contos eróticos para viúvas”, de Balli Kaur Jaswall. É a saga de uma moça indiano-americana que não sabe bem o que fazer da vida e acaba dando aulas de alfabetização para senhoras indianas vivendo nos Estados Unidos. Acontece que as viúvas estão para lá do beabá e querem mesmo é contar e elaborar histórias eróticas. O livro não é grande coisa literariamente, mas além de ser muito engraçado, as histórias eróticas são de uma sensualidade e de uma beleza impressionantes. É também uma aula prática de Paulo Freire: a melhor aprendizagem se dá ao respeitar os desejos (até neste sentido) dos nossos alunos e alunas.

Bem, à noite, somente depois da alface, do tomate e da cenoura, é que ligo a televisão  para ver séries. Vou poupá-los de comentá-las, direi apenas que são três, uma bem diferente da outra e que assisto no máximo um episódio de cada uma por dia. Depois, antes de dormir, pego uma coisa nova qualquer para experimentar a leitura.

Agora eu vou lá que estou com saudades do meu travesseiro…