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Em mares nunca dantes navegados

EM MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS

Os espartanos penteando seus longos cabelos antes das batalhas. Os frisões, que penduravam os cadáveres dos seus mortos dentro de casa para não se esquecerem de vingá-los. O faraó fazendo o mundo renascer com a cheia do Nilo. O detalhado Código de Hamurabi e suas punições corporais. 50 anos em cinco de JK, e a dívida quadruplicada para construir Brasília. A galinha d’Angola e a iniciação no candomblé. Do futebol das aldeias medievais à Premier League. Pai contra mãe de Machado de Assis: crueldade à brasileira. Édipo Tirano, uma crítica ao poder. A história da sexualidade, começando com os grandes primatas, passando pelo Marques de Sade e pelos puritanos para chegar em Foucault. A boa e velha Revolta da Vacina.

Heródoto mezzo antropólogo e Tucídides o falso rigoroso. Existe cidadania no Brasil? A questão racial vista através da literatura. Como se faz uma entrevista de História Oral? Nada como uma comédia de Aristófanes para criticar a democracia. Norbert Elias, que arriscou a vida para ir a um comício de Hitler e passou a vida inteira tentando explicar a violência. João da Baiana batendo seu pandeiro contra a República. Jean-Pierre Vernant e a origem do pensamento grego. A história esquecida das favelas cariocas. Antropologia para historiadores: Lévi-Strauss, Geertz e Sahlins. Debret interpretando o nascimento de um afro-Brasil. O jongo do Quilombo São José. A polêmica em torno da História das mentalidades. Marcel Mauss e a dádiva como a rocha para  fundar uma nova sociedade. Um furacão com mil definições chamado globalização. Os neo-pentecostais e a guerra entre Deus e o Diabo. Como explicar a realidade brasileira?  Nonada…

Essas foram algumas das aventuras do marujo aqui, juntamente com centenas (talvez milhares) de parceiros- alunos. Foram 32 anos como professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. A este porto donde meu navio sempre partiu e onde eu sempre encontrei, de uma forma ou outra, abrigo, eu agradeço, humildemente, sabedor das minhas falhas e dos meus erros. De qualquer forma, chegou a hora da partida definitiva para outros mares, nunca dantes navegados. Levo comigo tudo que aprendi, sobretudo com meus alunos, mas também com alguns mestres inesquecíveis, sem falar em Ciro Cardoso, mestre dos mestres. Espero que a dádiva de afeto e reconhecimento esteja à altura do que me proporcionaram.

Peço aos deuses que me protejam nestes mares conturbados do século XXI. Mas como já dizia Paulinho da Viola: “faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. Ideias antigas reaparecem, como a criação da ULA-ULA, Universidade Livre do Alvito. Sem notas e CR. Sem reuniões do Departamento. Sem chefes, sem sub-chefes, secretários, circulares e atas. Sem picuinhas. Sem perseguições. Sem covardias. Sem igrejinhas. Sem CNPq, sem CAPES. Sem produtividade. Sem banca de mestrado ou doutorado e o que é mais importante, sem mestres nem doutores. Sem pareceres, sem revistas A+, sem visitas do MEC. Sem assédio ou falsos processos. Só o prazer de aprender e de compartilhar o que se aprendeu. Horizontalidade. Colaboração. Informalidade. Alegria J.

Os planos são muitos, não cabem em papel. E John Lennon sabiamente lembrava: “Vida é aquilo que te acontece enquanto você está ocupado fazendo planos”. Mas na verdade se resumem a um: continuar, de alguma forma, sendo professor, mas na definição que o jagunço Riobaldo dá em Grande sertão: veredas:

“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”

um grande abraço e muito obrigado a todos

Marcos Alvito, aluno do 72o. período J