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O QUE CABE NA TAPERA – Parte I

Diga aí, querida leitora, querido leitor, aonde é? Sábado de sol pela manhã, no segundo andar de uma galeria comercial quase deserta, mais de cem pessoas sentadinhas, silenciosas, apertadinhas em cadeiras de madeira… O que fazem? Ouvem poesia. Em uma pequena sala cercada de livros, alguns para vender, a maioria para emprestar porque ali é sede de uma entidade sem fins lucrativos.

Chama-se Tapera Taperá e ali, dentre muitas outras iniciativas culturais, se promovem saraus de poesia. É tudo muito simples e muito bem organizado. Eles fazem pequenos livretos com capa dura e papel jornal dos poetas e das poetas que vão se apresentar no dia. Vendem o que chamam de plaquetes por 15 reais. Ajudam muito a acompanhar e apreciar a leitura dos poemas.

Quem me trouxe a este oásis foi o poeta Andre Argolo, um amigo muito querido e cujos poemas já postei aqui no site da ULA. Bom, é claro que isso acontecia em São Paulo. No centro, bem perto da Praça da República. Em meio a um silêncio de cristal de um público sério e interessado, apresentaram-se três poetas no Vozes, versos de fevereiro. Os trabalhos foram abertos pela poesia vigorosa e contundentemente engajada de Paulo Ferraz, que além de poeta é tradutor e editor. Ele leu, com forte emoção – dele e nossa – alguns poemas, um dos quais me tocou muitíssimo, sobre o assassinato de um índio mapuche no Chile. Eis um trechinho, depois publico todo o poema:

MATIAS CATRILEO

Matias Catrileo. Nunca ouvimos esse nome. Matias Catrileo. Continuaremos a não ouvir esse nome. Matias Catrileo. Esqueçam esse nome. Matias Catrileo talvez nem seja um nome. Matias Catrileo não é ninguém. Matias Catrileo é um índio. Matias Catrileo não é um índio. Índios não existem. Índio bom é índio morto. Índio é coisa de branco. Matias Catrileo não é chileno. Matias Catrileo é mapuche. Não, mapuches não existem. Mapuches são chilenos. Não, mapuches não são chilenos.

Os outros poemas de Paulo Ferraz lidos por ele naquela manhã também foram muito engajados. Um sobre o famoso Cabo Anselmo e de como este país é feito de traições. E outro sobre os índios Panarás, conhecidos como índios gigantes e que à época da Ditadura Militar foram vistos como principal obstáculo à construção da rodovia Belém-Santarém, que literalmente foi planejada para passar por cima deles.

Quando se via diante de algo muito, mas muito bom mesmo, meu pai sempre usava a mesma frase: “Vou sair e comprar outro ingresso”. Ele só não poderia dizer isso sobre aquela manhã de arte porque era tudo de graça. Mas não era gratuito não, dava para perceber que era feito por pessoas que sabem muito bem o seu objetivo.

Tapera pode ser um nome bem apropriado, já que um dos seus significados é aldeia abandonada. A aldeia da cultura, abandonada a sua própria sorte sempre consegue se reinventar, nem que seja no segundo andar de uma galeria comercial.

A poesia vive. (continua amanhã)