/13 ANOS E NUNCA MAIS

13 ANOS E NUNCA MAIS

13 ANOS E NUNCA MAIS

 

Diante de mim um jovem branco, franzino, que afirmava ter 15, mas parecia um menino de 13 anos. Contou sua vida sem alterar a voz, como se tudo aquilo fosse normal. Eu o escutei com um arrepio na alma, uma tristeza profunda e uma curiosidade infinita: como podia ser assim?

 

Começou a “trabalhar” na boca-de-fumo aos 13 anos, levando recados. Rapidamente fazia parte do bando e se transformava em “gerente” ao ganhar a confiança do “dono”: trabalhava duro, não usava drogas, falava pouco e respeitava os moradores. O dono não somente o colocou à frente da boca mas até mesmo o fez participar do sequestro de um empresário, que durou três meses, terminando com o pagamento do resgate.

 

Quando gerenciava a boca, bancava baile funk toda 6a., sábado e domingo “porque dando baile aumenta assim a quantidade de gente que vem comprá tóxico, o movimento aumenta”. Ele escondia tudo da mãe e tinha um acordo numa oficina mecânica para dizerem que ele trabalhava lá. Ninguém falava nada para ela com medo dele:

 

“Eu era muito ruim, mal olhava pra mim e eu já queria mandar os outros matá, cortar o pescoço, sabe. As pessoas tinham medo de mim, de eu fazer alguma coisa, me tratavam super bem.”

 

Admite já ter mandado matar várias pessoas:

 

“eu mesmo mandei matar muitas pessoas. Garoto assim que dava volta aqui, quando ia prestá conta comigo faltava dinheiro, aí começava a inventar um montão de troço que tinha perdido, aí eu ia e não falava nada, ficava quieto, aí ia só de noite eu só mandava matar”

 

Também participava do roubo de carros, longe de Acari, em Copacabana, Barra, outras partes da cidade. Afirma que nem era para vender, era somente “pra ficar zoando mesmo, pra ficar rodando, fazia tipo um pega”.

 

Vivia pequenos luxos:

 

“roupa assim, ih, eu mandava escolher no shopping, mandava, o tipo que eu queria mandava trazia prá mim, passava; eu mandava a mulher passar pra mim; banho, eu nem tomava banho, as mulhé é que me dava banho, é assim, também eu dava dinheiro, dava né, fazia tudo.

 

Sua vida era intensa e sem sentido:

 

“já tive várias mulheres, todo dia eu trocava de mulher, era 3, 4, dava dinheiro, toda semana eu dava dinheiro pra elas irem para o shopping, já tive carro, já tive moto, eu destruí tudo, eu cheguei assim a queimar dinheiro. Sabe, foi me dando um negócio assim, foi me dando uma revolta, eu cheguei até a queimar dinheiro.”

 

Nada restou daquele dinheiro, segundo ele por não ser dinheiro ganho com trabalho:

 

“Era dinheiro sujo. Dinheiro que entra fácil, sai fácil. Eu vendi tudo no final das contas que é que eu tenho disso tudo, não tenho nada porque não era um dinheiro honesto, não era assim trabalhá com sacrifício por um dinheiro honesto, sabe trabalhá assim sem podê matá ninguém, sem podê sacrificá ninguém, é isso aí que eu quero.”

 

Acha a vida que vivia antes pura ilusão:

 

“Não tem nada a ver, essas coisas, essa vida é toda ilusão. Você na vida tem dois caminhos: a morte ou a cadeia, só isso que você tem. Isso é tudo ilusão, dinheiro, mulher, isso é tudo ilusão.”

 

Dá como exemplo um “irmão de consideração” morto no domingo anterior pelos “poliça” e seu primo que está na cadeia. Fala do frequente “resgate” cobrado pelos policiais quando alguém da boca é preso e do nefando saco preto. Para se proteger, à época em que estava no tráfico mandou “fechar o corpo” e acha que funcionou: “os poliça dava tiro não pegava em mim”.

 

Para ele, “não tem, não existe polícia honesta não, todos queria dinheiro, todos”. Ele mesmo foi sequestrado uma vez pelos policiais: “falaram que iam me matar, que eu entrei em pânico, né, eu nunca tinha sido preso, os poliça pediram, pediram 50 mil para me soltar”. Pagou 30 mil e foi solto, mas os policiais continuaram indo atrás dele.

 

Ele abandonou a vida do tráfico aos 14 anos:

 

“que eu tava tendo uma vida errada, isso aí não tinha nada a ver comigo. Aí depois quando eu completei 14 anos fui pegando já a noção das coisas, aí fui saindo”

 

Seu sonho é simples:

 

“Meu sonho é construir uma família, é sair de manhã e chegar de noite sem ter perturbação, sem poder ter perturbação, podendo dormir direito, não ter assim, como ficá assustado, olhá assim andando prum lado e pro outro que a polícia vai vim e te pegar não, eu não quero isso mais pra mim não, quero deitar de noite, chegar de noite, achar realmente a pessoa ideal…”

 

No momento da entrevista, ele fazia a 5a. série e estava em um curso preparatório para ser office boy, onde eu conversei com ele. Sua meta era ser empresário. Sua namorada estava grávida de três meses.

 

Esta entrevista foi feita há vinte anos quando eu escrevia a tese que depois virou o livro As Cores de Acari. Não consigo entender o motivo pelo qual ela ficou fora do texto do livro. Talvez eu achasse a história inacreditável demais. Mas é muito mais inacreditável que vinte anos depois eu tenha certeza de que é ainda a história de muitos garotos no Rio de Janeiro e no Brasil afora.

 

Fica aqui a minha torcida para que aquele menino, que hoje pode ter 35 anos, tenha realmente deixado aquele caminho e que suas recordações daquela triste vida sejam apenas dos 13 anos e nunca mais.