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A exceção que confirmou a regra

A EXCEÇÃO QUE CONFIRMOU A REGRA

Até aquele dia, ele nunca havia batido em mim e eu nunca havia batido nele. Ele tinha uns quatro anos. Já existia para mim no segundo em que soube que sua mãe estava grávida. Foi aguardado com muita alegria e expectativa. Tanta que resolveu nascer um mês antes, bagunçando o coreto logo de saída. Era um daqueles bebês simpáticos que depois de alguns meses sorriem pra todo mundo. Pusemos nele o nome do herói troiano da Ilíada, Heitor, “aquele que sustenta a cidade”. Eu queria uma menina. Mas não pude resistir aos seus encantos. Ele era uma alegria que pulava, brincava e corria sem parar, sobretudo atrás de uma bola. Era a minha, era a nossa paixão maior.

Eu e a mãe concordamos que iríamos educá-lo à base do amor, do carinho e da conversa. Sem nenhum tipo de castigo físico, nada de palmada, tapa na mão ou qualquer outro tipo de violência. Desde muito pequeno, eu gostava de conversar tudo com ele, explicando o motivo das proibições, das regras. Outras pessoas até achavam graça e me perguntavam se ele iria entender aquilo. Eu respondia dizendo que eu só poderia saber se ele iria entender ou não tentando explicar. Ademais, se ele não entendesse o conteúdo, entenderia o propósito, a tentativa de explicação e o fato de que aquela proibição não era arbitrária, tão somente a imposição de uma autoridade paterna sem nenhum motivo.

Funcionava e funcionou muito bem. Lembro que muitos anos mais tarde fui buscar um documento na secretaria do colégio, quando ele já estava fazendo vestibular. Ao dizer o nome dele, uma funcionária praticamente saltou da cadeira e não parou de elogiá-lo, dizendo que ele era muito educado, muito gentil, muito doce. Foi ela que disse. O que posso garantir, de fato, é que jamais o vi se envolver numa briga, dessas de tapas e socos. E jamais tive notícia de que tivesse se envolvido em uma. Ao que parece, ele aprendeu mesmo o valor do diálogo.

Bem. Tudo muito bom. Mas naquele dia não foi assim. Como já disse ele era bem pequeno. Eu disse a ele que não podia fazer certa coisa, estava explicando o motivo e ele veio e me deu um soco no peito ou no braço, já não me lembro. Claro que foi um soquinho de criança. Mas ele usara toda a sua força e estava com muita raiva. Sem nenhuma raiva, achando graça, mas de forma pensada e calculada, dei-lhe uma palmada. Não foi para machucar, mas foi com certeza para doer.

Esperei ele se acalmar. E aí expliquei que bater em alguém só levaria a esta pessoa bater de volta, o que não era bom negócio, como ele havia percebido. Que a conversa deveria ser nossa única maneira de resolver as questões. Ele nunca mais me bateu. Nem eu nele. Minha palmada havia sido uma exceção para confirmar a regra da não-violência. Sim, tivemos nossas divergências e nossas questões, como é normal entre pais e filhos. Amado. Muitas vezes é assim que chamo meu filho, embora hoje ele tenha 23 anos e seja um estudante de Medicina.

Mesmo que ele seja agora um rapagão de mais de um metro e noventa, não apostaria nele numa briga de rua. Falta-lhe a prática da brutalidade, falta-lhe convicção na violência como método. Mas se você resolver debater alguma coisa com ele, se quiser derrotá-lo na conversa, é melhor se preparar, você não vai ter vida fácil…