A FADA PREGUIÇOSA E A CASA QUE VIROU SONHO
Era uma vez uma fada preguiçosa. No bom sentido, é claro. Ao invés de pegar sua varinha de condão e ficar maravilhando Deus e o mundo com seus efeitos especiais, a Baiana, como a chamavam, preferia ficar lendo. Quando cutucada – porque varinha de condão também pode virar arma – respondia com o legítimo sotaque de uma fada soteropolitana:
– Essas coisas que vocês fazem, essas fumaças, gente aparecendo, desaparecendo, príncipe virando sapo, sapo virando príncipe, tudo isso não é nada perto do que pode a literatura. A literatura tudo pode, com ela viajo os sete mares, subo as montanhas mais altas, conheço todas as florestas do mundo e mais, ao invés de me transformar fisicamente num sapo, sou capaz de pensar como um.
O Conselho das Fadas logo convocou uma reunião extraordinária. Todo mundo veio agitando suas varinhas de condão, que ficavam muito quentes quando os ânimos se exaltavam, ficavam quase em brasa. Vida de fada não é tão fácil quanto se pensa. A assembléia tinha tema único: o que fazer com a Fada Preguiçosa? Sua atitude de contínuo desafio às tradições, seu elogio inconsequente da literatura, tudo isso poderia e talvez já estivesse corrompendo a juventude fadística. Houve quem propusesse seu banimento total e completo do universo das fadas, seu rebaixamento a uma mortal condenada a viver no real áspero, bruto e sem soluções mágicas. Mas nem todas as fadas eram tão duras e uma fada menos exaltada propôs uma outra solução.
– Vamos enviá-la por um período limitado à Terra, em uma tarefa árdua, difícil e mal-remunerada. Ela vai ser professora. Ainda por cima de crianças.
É-LENA, pois assim se pronunciava no nome da nossa fada em baianês, do dia para a noite foi afastada dos seus livros e tornou-se professora de Português e redação para hordas de crianças barulhentas de 10, 11, 12 anos. Sem usar nenhuma varinha de condão, fazia com que sucumbissem ao encanto de alguém que sabia o que estava fazendo, gostava do que estava fazendo e tinha aquele amor sagrado às novas folhas das árvores. Os dias foram se passando, o Conselho das Fadas cada vez mais enfurecido com o tiro pela culatra que havia sido aquele exílio.
Depois de vinte anos, mandaram uma mensagem que É-LENA pôde ler no mar quando voltava para casa, um desenho feito com a prata da lua batendo nas ondas. Dizia, secamente: acabou seu castigo, pode voltar!
É-LENA deu uma gargalhada. Aquele tempo havia passado tão rápido. De qualquer forma, pensou ela, vou voltar aos livros. Mas não quero voltar pro mundo das fadas, é uma turma careta demais pra mim. E eu amo essas crianças. E se eu pudesse unir os dois? Sua varinha de condão havia sido confiscada e ela gostaria de criar um espaço para a literatura, sobretudo para apresentar as crianças a este mundo das palavras em que tudo é possível, até mesmo uma fada baiana e preguiçosa chamada É-LENA.
Ela tinha uma casa. Na verdade, não era somente ela. Ela era uma fada apaixonada e Ele torcia pelo Botafogo. Por conta, disso vivia pedindo a ela:
– Será que você não podia arrumar uma varinha de condão emprestada pelo menos duas vezes por semana?
Conversou com Ele usando seus olhos de fada, sua voz de fada e seu amor de mulher. Não havia como negar. A casa deles se transformou em um Lago. Um Lago de Histórias.
Um espaço dedicado somente à literatura em pleno Rio de Janeiro de 2018, onde parece que não somente o Apocalipse chegou mas veio para ficar. Pois é aqui mesmo, no bairro da Urca, bem junto aos ventos que vem do mar, que existe essa casa que virou sonho, porque é uma casa que nasceu de um sonho e agora serve de abrigo a todos os sonhos do mundo.
Na foto, a fadinha baiana que atualmente usa o avatar de Helena Lima, encantando um bando de meninos e meninas, sem usar varinha de condão, somente o mais mágico dos objetos criados pelo homem e pela mulher: o livro.