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A GRANDE ARTE

Não, não  é o maravilhoso livro do Rubem Fonseca, aliás baseado em um poema de Arquíloco de Paros, um poeta e mercenário da Grécia antiga, que dizia que sua grande arte era ferir quem o havia ferido. Não, para mim a grande arte não é a vingança, que pode até ter sua arte, mas sempre será pequena.

Refiro-me à verdadeira grande arte. Minha mãe sempre repetia uma frase de meu avô Emílio, português, operário especializado da indústria naval e bon vivant na medida do possível. Tive a alegria de conhecê-lo. Os olhinhos sempre vivos e animados, uma disposição saltitante aos 77 anos e um jeito de quem dissolvia cada segundo na boca como se fosse chocolate. Eis a frase, aparentemente banal, do meu avô:

– Viver é fácil, saber viver é que é difícil.

A grande arte é tentar fazer de cada dia uma obra-prima. Isso não quer dizer se entregar ao hedonismo inconsequente cuja conta logo virá com juros e correção monetária. É fazer o que tivermos que fazer, prestando atenção, dando o melhor de si e, sobretudo, vendo o lado bom. É dia de faxina? Que seja. Há que empunhar a vassoura e o esfregão com estilo e alegria, pensando no resultado. Pode-se por um rock, pode-se dançar (cuidado para não escorregar no sabão) ou escutar um podcast de literatura. O prazer não está na coisa ou na atividade, o prazer está na nossa maneira de ver e sentir.

Meu avô Emílio nunca enriqueceu. Viveu a vida de trabalhador, não comprava fiado e nem queria saber de cartão de crédito. Não tinha muitas roupas, mas só saía de casa alinhado, de terno, gravata e chapéu. Aposentado, passava as manhãs em casa, mas depois do almoço ia ao café tomar uma bica (cafezinho) e vagava pela cidade com seus olhos ávidos de novidades. Não parava para comprar nada, não entrava em restaurantes caros, apenas desfrutava sua amada Lisboa.

O metrô ele me mostrou como se fosse a coisa mais espetacular do mundo – mas eu, um garoto de 16 anos, não percebi que era mesmo, pois permitia a ele, cujo pai fora condutor de bonde puxado a burros, passear pela cidade. O vagão estava cheio e nós dois viajamos em pé.

Eis que uma bela mulher ofereceu seu lugar para meu avô se sentar. Ele agradeceu  gentilmente, só  faltou tirar o chapéu, mas recusou, não via motivo.

No trem desta vida, Emílio Alvito sempre viajou de pé e de cabeça erguida.