A GUERRA DE HIS-TRÓIA, uma peça pós-moderna auto-referencial esquizofrênica
Cenário : Olimpo tropical, de frente para o mar e de costas para a sociedade brasileira
CENA UM:
(Zeus Ichfiano, barbas pintadas de acaju, voz empostada de pós-doutor, a mão direita empunhando um relâmpago onde se lê: ERUDIÇÃO, mão esquerda portando um chicote onde se lê BOLSASDE PESQUISA):
– Convoquem os professores do departamento, digo, os PHDeuses. É preciso que todos tomem posição em relação à Guerra de His-Tróia
(Hera vestida de índia amazônica, de olhos bovinos – leiam Homero – em tom subserviente)
– Que desejais, meu amo ? Aqui estou para servir-te …
(Zeus Ichfiano)
– Então não sabes ? Mortais estudantes pretendem votar na assembléia dos PHDeuses !!
(Hera de olhos bovinos)
– Mas que horror, é o caos, a barbárie total… Mas aqui em casa quem manda sou eu, ou melhor (diante de Zeus Ichifiano brandindo o relâmpago)… sois vós, meu amo e senhor
(Mi-Enerva, uma pastinha bem burocrata em cada mão e um chapéu estilo Carmem Miranda com livros ao invés de bananas)
– Reles estudantes comedores do bandejão votando, estão pensando que isto aqui é uma balbúrdia total, um desatino, uma turumbamba, uma democracia ?
(CORO DE OPERÁRIOS, POBRES, NEGROS E FUDIDOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM GERAL)
– O que nós temos a ver com isso ? O que isso tem a ver conosco ?
(Afro-Disse, sedutora, corpo de mulata do balaco-baco)
– (apontando os estudantes na platéia) Mas não é preciso consultar as bases ?
(Deus Segundo, com uma camiseta onde se lê apud, vide, confer, opus cit. et alii)
– Segundo um autor muito importante, neo-zelandês da Escola de Frankfurt com tintas weberianas, cujo nome esqueci agora, votar é uma ilusão…
(Diana pesquisa, coberta de letrinhas dos pés à cabeça, carregando um microfilme na mão)
– Em que caixa empoeirada do Arquivo Nacional encontra-se a fundamentação desta hipótese ?
(Apolo, o epistemólogo, corpo saradão e bombado)
– (apertando o braço de Diana pesquisadora com expressão de desgosto) Sei não, a consistência teórico-metodológica parece meio duvidosa.
(CORO DE OPERÁRIOS, POBRES, NEGROS E FUDIDOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM GERAL)
– O que nós temos a ver com isso ? O que isso tem a ver conosco ?
De repente…
EXPLOSÃO, GRANDE ESTRONDO, RUÍDO ENSURDECEDOR (como fundo musical começa a tocar I Can’t Get no Satisfaction dos Rolling Stones)
(Invasão dos bárbaros, ou melhor, dos estudantes, bandejas de comida nas mãos)
– Uh, uh, vamo invadí, vamo invadí. UNE, DCE, C & A, queremos votar !!!
(Dioniso Galhofeiro, vestido de sambista)
– Isso dava um partido alto (sorrindo, canta e toca pandeiro)
“Lá tem pós-doutor que é mato
Artigos e teses pra chuchu
Mas o lugar nãoé pacato
Tá sempre o maior sururu”
(CORO DE OPERÁRIOS, POBRES, NEGROS E FUDIDOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM GERAL)
– O que nós temos a ver com isso ? O que isso tem a ver conosco ?
Fim (provisório ?) Da CENA UM
Rio de Janeiro, a cidade ainda maravilhosa, no dia 5 de junho de 2004, ao som de “You Can’t Always Get What You Want”
de Rolling Stones, em uma manhã nublada sem nada melhor pra fazer
Marcos Alvito