A HISTÓRIA DOS CHAPÉUS
Papai adorava contar as mesmas piadas, repetir as mesmas histórias. Não era por esquecimento. É que determinadas piadas e algumas histórias, tratavam de temas centrais, sobre os quais ele nunca queria parar de refletir. A piada do sapo que acaba não entrando no céu por ter boca grande alertava para a necessidade da discrição, do auto-controle, de humildade. Ele mesmo nos dizia que tratássemos de implementar nossos projetos antes de comunica-los a todo mundo.
Mas a sua história preferida e a minha também, era a história dos chapéus. Ela retornava toda vez que aparecia uma cena de um filme antigo ou uma foto de outra época em que havia um mar de homens e mulheres, todos de chapéu. E lá vinha papai:
– Meu filho, imagine só os donos de fábricas de chapéus. Deviam pensar que haviam tirado a sorte grande. Afinal, enquanto houvesse cabeças, teria que haver chapéus. Mas as coisas mudam… hoje quase ninguém usa chapéu e essas fábricas fecharam.
Era uma história ao mesmo tempo simples, óbvia e marcante, capaz de instilar numa criança a idéia da mudança, da instabilidade e da imprevisibilidade característica dos tempos em que vivemos. Papai mesmo, nascera mais ou menos quando o rádio começou a funcionar no Brasil e chegou a ver um protótipo de televisão numa feira científica junto com meu avô. No breve espaço – historicamente falando – da sua vida, veria a televisão preto e branco, a televisão a cores e a tv a cabo. Ouviu suas primeiras músicas no gramofone, depois passou pela vitrola e pelo aparelho de CD, perdendo a música da nuvem por alguns anos. Aprendeu datilografia e no final da vida já digitava seus diários no computador.
Por isso ele complementava essa história dos chapéus com um conselho: se tiver a chance de fazer alguma coisa, faça logo, tudo muda sempre, sobretudo no Brasil.
Infelizmente, nem sempre para melhor.