Em sua autobiografia, escrita em conjunto com Alex Haley, Malcom X fala da primeira grande virada na sua vida (turning point). O pai havia sido assassinado por um grupo racista, a mãe enlouquecera, ele os irmãos tinham sido divididos em famílias diferentes.
Malcom acaba sendo abrigado por uma família branca enquanto fazia o que seria o Ensino Médio. A escola era basicamente branca e ele, que também fazia parte do time de basquete, era uma espécie de “mascote”, era aceito como uma exceção. Na verdade, era um dos melhores alunos da turma e a sua inteligência aguda se fazia notar.
Só que nunca mais foi o mesmo depois de uma conversa com Mr. Ostrowski, o professor de Inglês. Malcom era um dos melhores alunos da disciplina e se achava querido pelo professor. Quando este pergunta se Malcom já havia pensado em uma carreira, o jovem negro responde que gostaria de ser advogado.
O professor se reclina na cadeira, põe as mãos atrás da cabeça, dá um meio sorriso e diz a Malcom que ele tinha que ser realista, todos ali gostavam dele mas um “nigger” ser advogado estava fora de questão. Ele deveria fazer um trabalho manual, ele era bom com as mãos, tinha talento para ser carpinteiro, por exemplo.
Malcom entendeu a lição. E dedicou sua vida a denunciar e combater não somente o racismo que agride, mas também o que impede, o que bloqueia, o que não dá chances. O racismo daqueles que confundem privilégio com superioridade.
A este respeito, lembrei de uma passagem quando um primo meu (cada dia mais distante) chamado Marcos Alvito dava aula em um colégio estadual em Campo Grande. A coisa mais espantosa que lhe aconteceu foi quando perguntou a uma turma de 40 alunos quem iria fazer o vestibular e viu somente duas ou três mãos levantadas.
Hoje, com o sistema de cotas, a realidade é um pouco (mas não suficientemente) diferente. De certa maneira, há mais de 500 anos que o Estado brasileiro é um Mr. Ostrowski que diz para jovens negros e pobres:
– Advogado, médico, engenheiro? Seja mais realista, pegue a bicicleta e vá ser entregador do Ifood…
Por isso eu digo, a solução é menos munição e mais educação.