E lá estava eu, apito pendurado no pescoço, segurando um cartão amarelo e outro vermelho prontos para serem usados. Como é que isso acontecera?
Uma entidade alemã dedicada a construir a paz entre as torcidas de futebol organizou um encontro de um dia em várias cidades do Brasil. No Rio a reunião foi no simpático Museu da República. Como já escrevi alguma coisa sobre futebol e sou mais coroa – acho que os alemães, mal informados, pensaram que eu fosse um pesado e cerimonioso professor veterano – fui chamado para mediar o debate na parte da manhã. Haveria uma mesa sobre experiências positivas e outra mais confrontacional, digamos, entre o pessoal das torcidas e representantes do Ministério do Esporte. Era trabalho voluntário. E se esperava que eu não falasse nada, apenas ficasse de apresentador passando a palavra. Enfim, iria para o sacrifício em nome de uma boa causa. Mas, como sempre, resolvi me divertir.
Pensei: a coisa mais difícil em um debate desses é o pessoal respeitar o tempo. Como era sobre futebol, levei apito e os dois cartões. Apitar não foi preciso, mas levantei cartões amarelos e vermelhos à vontade. O amarelo era quando faltavam dois minutos e o vermelho, quando se esgotava o tempo. E pronto, esperava alguns segundos para a pessoa se despedir e tomava a bola, quer dizer, o microfone. Era algo um pouco brusco, mas como eu fui bem teatral acho que a plateia entrou na brincadeira. Os participantes da mesa logo viram que eu não estava brincando em serviço e tudo correu dentro do horário. Não fui um juiz ladrão, observei o relógio e tão somente o relógio. Mas confesso que tive um enorme prazer em esfregar o cartão vermelho na cara do representante do Ministério do Esporte, pois o órgão nada estava fazendo e enviava alguém para fazer demagogia.
Passei um aperto também. Acostumado a fazer brincadeiras envolvendo futebol, fiz uma bem leve com os torcedores do Vasco. Depois, os representantes de uma associação que busca a paz entre as torcidas cariocas vieram falar comigo, pedindo que eu não fizesse mais isso, porque para evitar problemas eles aboliram total e completamente este tipo de piada. De qualquer forma eu expliquei a eles meu propósito de relaxar a plateia e eles, que já haviam me abordado com muita educação, compreenderam.
Quando as duas mesas terminaram eu já estava morto de fome. Para minha surpresa, chegou um grupo de colombianos para fazer uma reunião sobre o futebol do seu país. Fiquei chateado de não poder almoçar com meus amigos e amigas que haviam assistido a sessão da manhã mas me conformei. Tomei as rédeas do encontro dos colombianos, organizei tudo, quem iria falar primeiro etc. E nem preciso dizer que distribuí cartões, amarelos e vermelhos, com bastante desenvoltura. Achei que eles estavam um pouco surpresos, mas aparentemente estavam gostando, foram muito simpáticos comigo. Ganhei até um caderno com o plano decenal do governo colombiano para o desenvolvimento do futebol. Nisso, estavam dando no nosso futebol de goleada.
Quando terminou, esgotado, fui falar com a organizadora, uma moça alemã séria e circunspecta. Ela retornara do almoço e ficara estupefacta ao ver que eu estava coordenando a mesa dos colombianos. O encontro deles era independente, havia apenas solicitado o espaço, que lhes foi concedido. Eu não sabia o que dizer.
Juiz ladrão eu não fui.
Mas bem que eu me convidei para apitar uma partida que não pertencia ao meu campeonato.
Os colombianos, coitados, vendo aquele sujeito cheio de autoridade a distribuir cartões, devem ter pensado: bem que nos avisaram que os cariocas eram malucos.
Mas eles nãos sabiam que era tanto assim.