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Confissões de um viciado

Não é o que vocês estão pensando. Mas é. Álcool nunca foi o meu forte. Cerveja? Para agradar os amigos. Vinho?  Um copo ou dois em ocasiões especiais. Cachaça? Em Minas, nas trilhas do Grande sertão. Nunca pus um cigarro na boca. Drogas pesadas? Nunca tive vontade. Para falar a verdade, fumei maconha uma vez numa lua-de-mel (sim, tive mais de uma). Era uma erva especial, presente de casamento de uma cunhada muito querida. Eu não podia fazer desfeita. Reza a lenda que fiquei ainda mais alegre, mas quem sabe se era por estar achando graça?

Remédio? Nem para dor de cabeça. A única coisa que se aproxima, afora o que vou falar, é o café duas vezes por dia. Ao acordar e depois do almoço. Mas em décadas o consumo não aumentou, acho que também aqui escapei do vício.

Sou viciado em esportes. Meu avião, meu fornecedor da pesada, se chama ESPN. Tirando hurling, vejo de tudo: vários campeonatos de futebol, basquete, futebol americano, baseball, tênis e de vez em quando um pouquinho de vôlei. Tem gente que toma um uisquezinho pra relaxar no final do dia, eu vejo uma partida da NBA.

Por que? Fico me perguntando. Creio que seja por causa das histórias que o esporte constrói. Estava vendo uma partida de futebol americano, jogo apertado, a ser decidido no último lance, em que o kicker, o chutador, tinha que converter três pontos chutando uma bola oval por cima do famoso H, ou melhor, por cima do traço horizontal do H e entre os dois traços verticais. Antes do jogo ele havia dito à repórter que conseguiria converter um chute de até 53 jardas naquelas condições, pois estava nevando. No lance final a distância era menor, portanto… Lá vem bolinha oval, um jogador agachado a ajeita e segura e o kicker mete a bota. A bola sobe, sobe e vai direitinho aonde deveria ir. Acontece que o técnico adversário, malandro velho, faz uma maldade daquelas. Enquanto o jogador está correndo para bater na bola ele pede tempo ao juiz. Ou seja, a conversão não valeu. Tudo dentro das regras. Começa tudo de novo: bola jogada para trás, um jogador agachado deixa ela paradinha na posição e o kicker enche o pé. Ela sobe, sobe, sobe, bate no travessão esquerdo, na descida bate também na trave do H e morre caprichosamente poucos metros antes do que vou chamar de gol.

Pensem. Quantas vezes você já não se preparou, tinha certeza de que tudo daria certo e na hora H (não é trocadilho), prejudicado por uma safadeza “dentro da regra”, acabou ficando nervoso e fracassando? Não? Você tem muita sorte. De qualquer forma o lance acima também aponta para o papel do acaso e do inexplicável. Se não houvesse tanto vento ou se fosse em outra direção aquela bola teria entrado?

Seja lá como for, o esporte proporciona um momento atrás do outro carregado de significado humano. A gente se coloca no lugar do kicker, pensa em quantas bolas, ovais ou redondas, bateram no travessão e não entraram. E compreende melhor a nossa condição.

Com licença, eu tenho que ir, vai começar um jogo de basquete universitário que não quero perder…