Sempre gostei de dar palestras pelo desafio que representam. Você tem não somente um público bem maior mas também desconhecido, ao contrário da sala de aula onde depois de algum tempo cria-se uma sintonia com a turma. A platéia de uma palestra representa um salto no escuro, você tem que improvisar um tom, ir medindo a temperatura dos presentes, suas reações. E tudo isso tem que ser feito nos primeiros minutos, porque público de palestra é ansioso e exigente, eles acham que foram ver uma espécie de show de palavras, querem aprender e se divertir ao mesmo tempo, não é tarefa fácil.
Naquele dia a palestra foi tranquila, o público pareceu gostar da minha narrativa acerca do trabalho que redundou no livro As Cores de Acari – uma favela carioca. Cerca de 200 jornalistas do Brasil todo ouviram com interesse as minhas histórias e a minha hipótese central da ligação entre o crescimento do tráfico de drogas e das igrejas evangélicas. Era uma turma de um curso sobre jornalismo popular-comunitário de uma ONG de esquerda. Creio que a ideia era formar jornalistas anti-establishement. Fiquei feliz de participar de algo assim e lá fui eu, sem nada receber pela palestra.
Tudo bom, tudo bem, até a hora das perguntas. As perguntas foram muito estranhas. Havia, por parte daqueles intelectuais ali presentes, uma mistura de comiseração, desprezo e complexo de superioridade em relação às pessoas da favela. Como se fossem de um outro mundo. Os termos lúmpen-proletariado e alienados vieram à minha mente e aquilo me irritou muitíssimo. O olhar deles sobre a favela era totalmente enviezado e preconceituoso.
Eu poderia muito bem ter respondido educadamente e ido para casa. Mas toda aquela montoeira de gente acreditando ser dona da verdade, acreditando ser a vanguarda da revolução, a redenção dos povos blá, blá, blá, tudo isso fez meu sangue luso-baiano-carioca ferver. Sem falar no meu anarco-pandeirismo, que adora bagunçar coisas muito arrumadinhas.
E foi aí que eu resolvi cutucar as 200 onças presentes. Não sei como, arranjei um jeito de falar mal do queridinho Hugo Chávez, dizendo que a esquerda gostava de um ditadorzinho de vez em quando. E olha que àquela época a Venezuela não estava na situação maravilhosa que está hoje.
Foi uma coisa linda de se ver, até hoje eu rio lembrando. Todos começaram a vociferar contra mim, apareceu até um venezuelano legítimo para me dizer que eu estava errado e obviamente não houve mais clima para continuar o debate. Uma senhora passou pela mesa apontando para mim e dizendo:
– Um professor universitário, que vergonha, como o senhor pode ser tão ignorante?
Sim, porque para eles existe a verdade e a ignorância da mesma é crime grave.
O fecho perfeito deu-se em seguida. O dono, presidente, secretário-geral, sei lá, da ONG, me chamou a um canto e rosnou:
– Você é um pequeno-burguês. Se eu soubesse que você viria aqui dizer isso, eu não teria te convidado jamais.
Muito democrático