DEVENDO UM CARTÃO POSTAL
O garoto que fazia História adorava o Nordeste. Ia para lá nas férias e muitas vezes pegava carona. De Recife para Natal conseguiu carona em uma caminhonete bem alegre: ia ali um bolo de noiva, o noivo e alguns dos seus amigos. E um carioca cabeludo também. Chegando a Natal, foi a Genipabu onde ficou encantado com a beleza das Dunas. Tão encantado que esqueceu a hora do último ônibus. Não se preocupou, pensando em dormir na areia, mas fez amizade com duas meninas e um rapaz que o alojaram na casa dos pais. O café da manhã foi um dos mais completos da sua vida, com mingaus, tapioca e outras delícias.
Antes, na Bahia, ele já havia sido bastante temerário. Andara 16 quilômetros de Porto Seguro a Trancoso sem levar água. Ao chegar, bebeu quase de um gole só uma garrafa de dois litros. Jogou bola na praça central, tomou banho de rio, conversou. E nem se preocupou em arranjar lugar pra dormir. Atrás da Igreja, pensou ele. Mas um rapaz mineiro, amigo feito ali, arranjou-lhe uma barraca. Mais uma vez fora agraciado com a gentileza de uma pessoa que mal conhecia.
Voltou a Natal e marcou um encontro com um amigo em um bar para depois pegarem carona juntos. Tomou um ônibus que serpenteava lentamente por conjuntos habitacionais intermináveis. Estava de noite e ele, totalmente perdido. Perguntou a todo mundo no ônibus pelo tal bar. Ninguém nunca tinha ouvido falar. Eis que o rapaz que estava sentado ao seu lado, muito timidamente, diz que poderia lhe dar abrigo aquela noite, já avisando que a casa era humilde.
E assim foi, salvo pela terceira vez. Acordou cedo e tomaram café juntos. Um café simples, saboroso pelo seu valor humano. À noite, antes de dormir, haviam conversado e ele havia contado das suas andanças. O rapaz lhe fez então um pedido singelo: que ele lhe mandasse ao menos um cartão postal de algum lugar por onde passasse. Infelizmente o carioca cabeludo não primava pela organização, como já se viu. Acabou perdendo o endereço do rapaz.
Das muitas dívidas que fiz nessa vida, poucas me doem tanto quanto aquele cartão postal.