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DIÁRIO DA CIDADE 005

DIÁRIO DA CIDADE 005
O mês que passei em Urucuia, além da alegria de estar no sertão rosiano dando aulas sobre o Rosinha, foi diferente em outro sentido. Durante um mês vivi numa cidade pobre economicamente, até para os padrões do norte de Minas. A simplicidade das roupas e calçados confirmava isso. Mas não vi uma pessoa sequer pedindo dinheiro na rua, nem tampouco dormindo no chão, largada feito um fardo. Não vi mulheres sentadas na calçada com crianças ou bebês mendigando. Não vi ninguém escavando o lixo em busca de lata e plástico. Em suma, eu vi pobreza mas não vi miséria, vi uma dura luta pela sobrevivência, mas não vi desespero.
A cidade grande atordoa pelos contrastes. Quando fui fazer a revisão do burrinho, enquanto esperava um procedimento fui ao showroom. Pensei que alguns modelos ali custassem mais de 100 mil reais. Estava enganado, aqueles Só Um Viverá com jeito de tanques custam cerca de 240 mil ou mais. Perguntei ao vendedor quem tinha esse dinheiro e ele riu: — Uma senhora entrou aqui no carro do marido e gostou de um desses modelos. O marido autorizou e ela comprou na mesma hora.
Corta para Santa Teresa ontem. Tive que ir à rua do Riachuelo fazer compras e cópia de uma chave. Na ida e vinda de lá, um trajeto de no máximo 700 metros, vi uns oito a dez catadores revirando freneticamente o lixo. Dois deles conversavam: — Tá fraco, não achei nem uma latinha. Pior foi o que presenciei pouco depois: três rapazes tentando roubar o saco de “tesouros” de um catador mais velho. Parecia uma peça de Brecht ou um quadro de Bosch.
A Fernanda Abreu que me perdoe, isso aqui não é mais Purgatório da Beleza e do Caos.
É o Inferno puro e simples.
PS: Ao acordar, os jornais me informam que 58% dos meus compatriotas vivem sob a ameaça permanente da fome.