A data era cabalística, 10 do 10 de 2010. Era um domingo totalmente anormal, pois estavamos em frente ao estádio mais famoso do mundo e que naquele momento dormia silencioso, fechado para as obras da Copa de 2014. Havia umas trinta e poucas pessoas naquele bar, dois eram professores universitários (eu incluído) e quase todos os restantes eram estudantes de universidades públicas. Mas nós sabíamos bem o que estávamos fazendo ali.
Estávamos ali para fundar a primeira associação nacional de torcedores do Brasil. Não confundam com torcida organizada. Nós pretendíamos criar um órgão democrático para o atendimento das demandas dos torcedores e torcedoras brasileiros. Sabíamos que aquele momento era crucial, porque a Copa do Mundo seria usada como instrumento para a elitização do futebol brasileiro, sem falar nos lucros de políticos e empreiteiras.
Sem nenhum dinheiro, sem qualquer apoio de partido político ou de torcida organizada, conseguimos criar a ANT, Associação Nacional dos Torcedores. Fizemos manifestações fora e dentro dos estádios. Divulgamos nossa causa em jornais, rádio e televisão. Fizemos um abaixo-assinado pela queda de Ricardo Teixeira, o que aconteceu e segundo o jornalista Fernando Calazans deveu-se em parte à nossa atuação.
Mas falhamos na organização. Evitamos as organizadas para não nos vermos colhidos no turbilhão de rivalidades e hostilidades entre elas, embora as considerássemos parte efetiva da cultura do futebol brasileiro. Mas sem recursos ficou impossível gerir uma organização nacional, mesmo que dentro da nossa filosofia cada uma das ANTs regionais fossem independentes, desde que seguissem os nossos 7 pontos:
NOSSA MISSÃO em 7 pontos para homenagear Garrincha, a alegria do povo: criar uma organização sem fins lucrativos para lutar contra:
1. A exclusão do povo brasileiro dos estádios de futebol, fruto de uma política deliberada de diminuição da capacidade dos estádios, extinção de setores populares dos estádios e aumento abusivo dos ingressos
2. O desrespeito à cultura torcedora com a extinção de áreas populares como a geral, onde há uma tradição própria de participação no espetáculo que inclui assistir ao jogo de pé (o que acontece na Alemanha)
3. A falta de transparência no futebol brasileiro, há décadas nas mãos de dirigentes incompetentes e corruptos; exigimos a democratização das decisões acerca do futebol brasileiro com a participação dos torcedores; por exemplo: as sucessivas e milionárias reformas do Maracanã, feitas sem nenhuma consulta aos torcedores
4. A exploração politiqueira do futebol visando eleger candidatos que aproveitam-se da sua popularidade para conseguirem mandatos contra o povo
5. O controle das tabelas e horários dos campeonatos na mão da rede de televisão que há décadas detém o lucrativo monopólio das transmissões televisivas de jogos de futebol; horário máximo de 20h para o início das partidas durante a semana e 17h aos domingos
6. A retirada de comunidades de trabalhadores em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas
7. A falta de meios de transporte dignos durante os dias de jogos; exigimos esquemas especiais em dias de jogos
(continua)