Conforme fora prometido, depois de apenas três meses, a Associação Nacional dos Torcedores, tinha uma eleição. E uma eleição com duas chapas. Na verdade, mesmo em tão pouco tempo, já havia surgido uma divergência. De certa maneira, eu a provoquei conscientemente. Explico. A ANT era independente em relação às torcidas organizadas, porque o nosso papel era outro, não se confundia com elas. Até por isso, quem era de uma torcida organizada podia entrar livremente na ANT. E muitos entraram.
Mas eu sabia também, devido aos inúmeros estudos feitos sobre as organizadas, que existe uma minoria dentre elas que é da pesada, tem na briga sua obsessão. Minha opinião pessoal é que esse pequeno grupo tem que ser investigado, incriminado, preso e julgado. Aliás, tem muita gente dentro das organizadas que pensa a mesma coisa. Esse pessoal é profundamente homofóbico. Eu mesmo já havia presenciado isso em uma viagem que fiz junto com uma torcida organizada em que eles pediram para que o ônibus parasse diante de um grupo de travestis para insultá-los e neles lançar objetos.
A ANT tinha um boletim eletrônico enviado para os seus sócios gratuitamente. Aliás, era tudo gratuito, não havia mensalidade, o que de certa forma foi um erro. Mas enfim, neste boletim íamos assinalando entidades com as quais tínhamos uma espécie de aliança, o que àquela altura era mais simbólico, afinal não tínhamos sede, secretaria, nem verba alguma. Foi aí que eu ventilei a intenção de incluir o movimento LGBT entre as nossas alianças. A reação foi incrível. Choveram mensagens contrárias de membros de torcidas organizadas dizendo que estavam abandonando a ANT e chamando a gente de florzinha e outras coisas bem menos poéticas. Bingo! Era aquilo mesmo que eu queria, separar o joio do trigo. Por mim, esses caras não faziam falta em uma associação de atuação cidadã e pacífica.
Acontece que um dos nossos diretores, que nós nem conhecíamos bem mas estava presente à primeira reunião, era de uma torcida organizada de um clube do sul do Brasil. E esse sujeito foi totalmente contrário a qualquer relacionamento com o movimento LGBT. A diretoria, em peso, era a favor. Sendo assim, ele formou uma chapa de oposição. Ele e seus amigos ficaram ainda mais irritados quando fizemos um plebiscito para mudar o nome para Associação Nacional dos Torcedores e Torcedoras. Diga-se de passagem que a participação feminina na ANT foi intensa desde o início.
Ganhamos a eleição com sobras, se fosse futebol teria sido 4 a 1. O sujeito criou uma outra associação para ele, colocou as organizadas pra dentro, articulou-se com partidos políticos e começou a falar mal da ANT embora todas as propostas da ANT tenham sido devidamente plagiadas no seu programa, sem mudar uma vírgula.
Isso não tinha a menor importância, a mangueira só pode dar manga e a bananeira só pode dar banana. Muito mais grave era o outro problema que a ANT enfrentava: a falta de participação. Nosso modelo não-centralizador era um sucesso e as ANTs regionais se espalharam pelo país. A imprensa nos deu uma cobertura muito positiva, percebendo a seriedade, a novidade e a importância da nossa proposta. Destaco o programa de Juca Kfouri na ESPN, em que Chris Gaffney e eu fomos entrevistados. A partir dali o número de associados explodiu e torcedores do Brasil todo ficaram sabendo da nossa existência.
Íamos para os estádios, distribuíamos panfletos, conversavamos com torcedores e torcedoras. Mas os que participavam eram sempre os mesmos: estudantes universitários politizados, pessoas de movimentos sociais, uma turma maravilhosa, enfim, mas que não chegava a ser representativa do amplo universo torcedor. Meu sonho era que a partir do futebol o torcedor da arquibancada (agora que não havia mais geral) despertasse para algumas questões, diretamente ligadas ao esporte mas que obviamente tinham uma interface política, como a questão da construção de novos estádios e da exclusão dos torcedores mais pobres.
Só houve resposta quando da campanha para tirar Ricardo Teixeira. Eu, particularmente, fui voto vencido, achava que reduzir o problema a uma pessoa era um empobrecimento e que depois dele ser sacado viria outro sem que a estrutura fosse mudada. Foi exatamente isso que ocorreu. De qualquer forma, torcedores faziam fila para assinar a petição pedindo a retirada do cartola.
Por fim, a ANT passou a ter uma existência mais simbólica, ficava difícil convocar sempre o mesmo grupo de pessoas para estar nos estádios. Foi aí que entrou a turma de São Paulo, meus queridos amigos da ANT-SP. Delicadamente, apontaram esta contradição, sugerindo que seria melhor encerrarmos as atividades da ANT do que manter uma associação fantasma que passaria a existir somente em entrevistas para os órgãos de comunicação. Era a decisão certa a tomar.
E esta foi a breve mas emocionante saga da primeira associação de torcedores do Brasil.