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Histórias do sertão – O noivado eterno

HISTÓRIAS DO SERTÃO – O NOIVADO ETERNO

A viagem mais linda da minha vida – as outras que me perdoem – foi o mergulho no sertão de Guimarães Rosa que fiz com meus amigos Gustavo e Yan. Saímos do Rio em um “poderoso” Ford Ka, devidamente rebatizado de “Burrinho Pedrês”. Devagar e sempre ele nos levou direitinho a muitas aventuras. No meu caso,  queria visitar Cordisburgo, a terra de Rosa e o Rio Urucuia, citado com especial carinho nas páginas de Grande sertão. Nesta e nas próximas crônicas vou contar um pouquinho da viagem pra vocês.

Estávamos em Andrequicé – amanhã falo do lugar. O fato é que era hora de jantar e nós no Bar de Dona Márcia e Seu Zé Ramiro. Dona Márcia é uma bordadeira de mão cheia e uma cozinheira daquelas que só em Minas. Quando chegamos ela fez uns pasteizinhos de carne maravilhosos.  Seu Zé Ramiro fala pouco, mas tem olhos calmos e penetrantes. Mais cedo, depois do almoço eu deitei num banco de madeira do bar e quase dormi ouvindo o sotaque mineiro delicioso, naquela prosa sem compromisso do pessoal. Gustavo brincou comigo dizendo que sotaque mineiro pra mim é canção de ninar. Adoro. Fico calado quando dois mineiros ou mais estão conversando só para ouvir. No ritmo, na música das palavras, há uma filosofia de vida, uma visão de mundo, uma maneira de viver.

Voltando: era hora de jantar. E que jantar! Arroz e tutu, pedaços de porco assados e uma batata frita dos sonhos cuja receita Dona Márcia generosamente compartilhou comigo. Mas o melhor foi a conversa. Apareceu um sujeito alto que vou chamar de João. Tinha cerca de quarenta anos, era meio magrelo e usava cabelo raspado. Bebia cachaça firme e forte. Contou da sua vida. Já tinha rodado o país como caminhoneiro, trabalhado como mecânico e por aí vai. Hoje ganha a vida “mexendo com abelhas”. Era um cara engraçado, contava história de tudo sem pressa: caçada, cachoeira, onça. Falava com um sotaque mineiro canônico. Nos divertimos muito, dei corda à prosa, ele gostou, logo me chamou de primo, nos demos bem de saída.

João só fica de mau humor quando fala que conhece muita gente de “cu empinado”, que se acha. Ele lembra que nós não somos nada, que o ser humano não vale nada. E lembra da experiência que teve ao socorrer um sujeito com derrame. Mas logo a conversa volta ao rio da alegria quando Seu Zé Ramiro lembra a melhor história de João: ele é noivo há 28 anos da mesma mulher. Na verdade, já vivem juntos, mas ainda não se casaram. João diz que a culpa é sua, por ser do tipo que às vezes sai para comprar carne moída e só volta tarde da noite… pra dormir no sofá. Seu Zé Ramiro brinca dizendo que se antes João não queria casar, agora é a mulher que não quer.

Resolvo brincar. João nos convida para voltar e ir às cachoeiras. Eu digo que quando voltássemos ele estaria casado. Rebateu de pronto que sim e que eu podia pagar a festa e o bolo. Vai mexer com sertanejo!

Fico surpreso quando ele vai embora relativamente cedo. Devia estar com medo de ter que dormir no sofá novamente.

Gustavo, Yan e eu saímos de lá muito alegres, felizes com uma noite tão simples, leal e verdadeira, gostosa feito os pasteizinhos de Dona Márcia.

Gostou?

Uai, amanhã tem mais…