Sim, ela vive na rua. Uma senhora negra, alta, um olhar atento e um riso prestes a brotar. Nunca a vi bebendo ou com aquela aparência de alheamento causado por drogas, pelo desespero ou pelos dois. No máximo, está com seu cigarrinho, que fuma com enorme prazer. Não fala sozinha, mas conversa com grande intimidade com quem estiver passando. Certa vez brincou comigo ao me ver indo para a academia. De forma educada, malandra. Fui rindo até a ginástica.
Dorme na rua, mas não deita no chão. E sim sobre caixotes e um colchãozinho. É um espaço construído por ela, o lar possível. Não sei como faz, mas está sempre limpíssima, com belos vestidos longos sem nenhum rasgão ou mancha. Já a vi de óculos escuros, toda elegante, como se a rua fosse a sua praia.
Esta semana, me fez rir novamente. Fui a um laboratório fazer exame de sangue, devidamente em jejum. Ao sair da picada da agulha, quem vejo? Lá estava ela, sentada em um dos confortáveis bancos de espera. Bem vestida, passou sem dificuldades pelos atendentes e foi até a área onde é servido um frugal café da manhã para aqueles que ficaram horas sem comer. O que provavelmente era o caso dela. Estava muito à vontade, conversando com duas pessoas ali presentes e bebericando o seu café, na maior classe.
Sim, ela vive na rua.
Mas nem por isso deixa de ser uma dama.