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Histórias do Alvito – A HISTÓRIA DO BACALHAU DO CÉU

Histórias do Alvito
A HISTÓRIA DO BACALHAU DO CÉU
Mamãe era portuguesa e para ela comida era assunto da maior importância. Desde pequena ela revezava com vovó na cozinha e muitas vezes era a pequena Fernanda, já conhecida dos feirantes, que ia às compras, sabendo escolher muito bem um peixe fresco e as melhores hortaliças.
No seu tempo de menina em Lisboa, na década de 1920, bacalhau era comida de pobre, tão frequente à mesa como para nós o arroz e feijão. Por conta das peripécias da vida, Fernanda Alvito veio parar no Brasil, conheceu papai e formou uma família.
Não comíamos bacalhau toda hora, mas o Natal era o momento sagrado. Para começar, mamãe fazia bolinhos de bacalhau tão bons que meu tio vinha da distante terra do Leblon para saboreá-los. Mamãe sabia fazer vários tipos de bacalhau, mas o que acabou caindo no gosto do “povo” lá de casa foi o chamado “bacalhau do céu”. Direi apenas que merece o título.
Havia um ritual que se dava assim. Mamãe passava horas e horas preparando a delícia e nós gemíamos de prazer a cada garfada. Ela, todavia, fazia cara de insatisfeita e decretava:
— Está muito salgado!
De nada adiantavam nossos doces protestos, de nada adiantava repetirmos o prato várias vezes, de nada adiantava jurarmos por tudo que estava uma maravilha… Mamãe era inflexível:
— Está muito salgado.
O tempo passou e mamãe hoje vive conosco na lembrança e no coração. Mas é aí que ocorre o inesperado. Minha irmã, com toda a humildade que a caracteriza, avisa à família que vai tentar fazer o “bacalhau da mamãe”. Logo adianta que não vai ficar tão bom e tal.
No primeiro ano ficou bom, mas longe do bacalhau da mamãe. No segundo ano é que ocorreu o milagre: estava melhor do que o bacalhau da mamãe e nem com muita má vontade daria para dizer que estava salgado. Minha irmã conseguira o impossível.
Mas calma que a história ainda não acabou. Este ano, pressionada por toda a família, lá vai minha irmã repetir a receita. Ficou um deleite, mas ela, adivinhem, como se mamãe tivesse incorporado, repetia desolada:
— Está muito salgado!
Ou seja: não basta fazer um bacalhau melhor do que o bacalhau da mamãe, o mais sensacional é fazer um igual, com direito a reclamação e tudo.
Esse sim é que é o verdadeiro bacalhau da mamãe.
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