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Histórias do Alvito – ANÁLISE PASSAGEIRA

Histórias do Alvito – ANÁLISE PASSAGEIRA
Fiz uma pequena viagem e por alguns dias tive que pegar vários táxis e fazer uso do Uber. Como eram percursos de 15 minutos ou mais, foi possível conversar e sobretudo ouvir os motoristas. É incrível como esses homens, à menor sugestão, estavam dispostos a contar suas vidas. Era como destampar uma panela de pressão.
O passageiro ocupa uma posição ideal: é um desconhecido neutro, não vai contar aquilo a ninguém, não tem como identificar o motorista nem publicar sua história (com nome) nas redes sociais. Sempre me sinto tomado por algo parecido com a melancolia: encontrar uma pessoa e saber que será a primeira e única vez.
Um deles era carioca e tinha o mesmo nome que eu, quase a mesma idade e um pouco menos de cabelo. Começou a contar as suas desventuras e o grau de solidão e abandono que descrevia culminava com o seu único objetivo naquele momento: conseguir trabalhar mais e mais horas para pagar as suas dívidas.
Outro viera do Piauí para a cidade grande juntamente com outros 14 rapazes. De início dormiam no chão. Alguns voltaram ainda na primeira semana. Ele foi um dos quatro que restaram e hoje tem mulher, filhos e carro. Diz que só vai voltar quando conseguir o que quer, não me dizendo exatamente o que seria. Conta que apanhou muito até entender como a cidade funcionava. A voz com que disse isso era de pedra. Para ganhar a vida, parece ter perdido a alma.
Houve outros, com quem conversei ao vento, de futebol sobretudo, com um arrisquei conversar sobre política e felizmente ele tinha votado no Ciro e não no Cramulhão.
O mais engraçado foi o que me trouxe para casa da rodoviária. Sujeito grande, corpulento. Tive que pedir que colocasse a máscara, o que o levou a dizer que era bolsonarista. Consegui desviar o assunto e quando eu vi ele estava contando dos seus cinco filhos com três mulheres. Confessou ser apaixonado pela mais recente ex-mulher, que não queria voltar para ele de forma alguma. Com voz baixa, matreira e nada arrependida, semi-orgulhoso, admite que “pisou na bola”. Quase chegando, põe para tocar um áudio em que canta (com boa voz) uma música picante que exaltava as qualidades da mulher. Era um menino se mostrando.
Não aguentei. Os analistas que me perdoem mas dessa vez eu dei um conselho:
– Moço, arrependimento e pedido de perdão pedem humildade, cabeça baixa. Assim feito um pavão dando show sua ex-mulher não vai perdoar nunca.
Ele riu e foi-se embora pro mundo.