Histórias do Alvito
CENAS ROUBADAS
Afora um beijinho inocente aos doze anos – aquele menino era terrível, nunca roubei nada na vida. Exceto cenas. Não posso ver uma multidão, saindo da barca Rio-Niterói, por exemplo. Meus olhos, inutilmente, tentam captar aquelas pessoas uma a uma, menos para decifrá-las do que para imaginar suas histórias.
Roupas, fisionomias, o estado geral da expressão, tudo isso ajuda muito. Aquela moça é estudante, tem jeito de Ciências Sociais, ainda mais com esses cabelos encaracolados. O macacão azul manchado desse senhor indica trabalho pesado e as imensas mãos calejadas contam a mesma história. Tudo é confirmado pelo pé que calça a sandália de dedo e mais parece uma ruína feita de carne e unhas tortas.
Aeroportos são bons postos de observação. A freira de rosto redondo parecendo chinesa, tão baixinha que seus pés não tocam no chão. Na mão direita a aliança de noiva de Jesus. Talvez seja para ele que ela está escrevendo no celular: – Noivo, vê se cuida do meu avião, o vôo é o 2341, não esquece.
O casal: ela, esguia, cabelos castanhos, só um pouquinho mais alta que ele, que tem ombros largos e olhos bons. É ele que segura o filhinho de um ano e não para de beijá-lo, de sorrir para a feliz criança. A mãe enfia o rosto no meio dos dois e dispara uma onda de beijos nos dois. Nem parecem se importar com um atraso de uma hora. Estão no momento terno e eterno do amor.
A menina, no máximo sete anos, sentada sozinha na poltrona, brincando de adulta com o acessório indispensável que ela empunha com seriedade. Mas a capa do aparelho, de florzinhas coloridas, faz lembrar que ela é uma criança.
Já dentro do avião, uma raridade bem-vinda: uma família negra com avó, mãe e duas meninas. Uma delas, a mais jovem, se senta com a mãe. A outra, quase uma mocinha, senta com a avó, com quem parece ter uma ótima relação. Porque não param de conversar e combinar as fotos que serão tiradas. A avó faz as vezes de diretora de fotografia, a menina é a cameraman.
E eu sou o abelhudo que não para de roubar cenas e imaginar vidas.