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Histórias do Alvito – Como perder uma namorada

Histórias do Alvito – Como perder uma namorada
Sampa sempre me chamou e depois de obter minha alforria aos vinte anos, passei lá alguns fins de semana. Sozinho. E não conhecia viv’alma em São Paulo embora lá elas não faltassem. Visitava centros culturais, hoje algo normal, mas que brotaram primeiro na terra de Adoniram e onde se podiam conhecer novidades mirabolantes como … o vídeo! Gostava de ir à Bienal do Livro, mais para olhar do que para comprar, ainda não tinham inventado o cartão de crédito e eu não gostava de dar muitas despesas a meus pais, já batia a vergonha de ser sustentado.
Pois bem, numa dessas sampeadas, consegui ficar na Casa do Estudante perto da Estação da Luz. Era um prédio castigado pelo tempo (e pela falta de verbas), mas pelo que me lembro os alojamentos eram dignos. Por favor me perdoem se a minha memória estiver me traindo, Nelson Rodrigues já avisava: — A memória é uma vigarista!
Além da cama, limpa, correta, o visitante, no caso este carioca, tinha direito a frequentar uma sala de televisão, a qual, como o nome já supõe, tinha uma televisão não muito grande e um sofá, um pouquinho maior. Estava na hora do noticiário e a turma já estava toda aboletada no sofá. Ora, em pé também se assiste televisão.
Eu era um garoto, ainda tomado da necessidade de afirmar meu carioquismo. Estranhei o pessoa assistindo na maior seriedade (não havia nenhuma notícia mirabolante). E aí o carioca se pôs a fazer gracinhas. Era época carregada ideologicamente, ainda éramos governados por um general. Deve ter sido por isso que a moça ficou invocada como se diz aqui nas terras de São Sebastião.
Tomei um susto. Ela começou a praguejar contra o que eu havia dito e foi só aí que reparei nela. De altura mediana, longe de ser magra, ela ostentava longos cabelos negros que abalaram minhas estruturas de moço tímido (eu só era carioca fora do Rio). Mas como recuar seria muito feio, continuei com as brincadeiras, deliciado com o fato que ela levava tudo a sério e ficava mais bonita a cada bronca que me dava.
As testemunhas daquela contenda foram, aos pouquinhos, se escafedendo, talvez a prever o que aconteceria. Sobramos eu e ela, um de cada lado do sofá. O lado dela era a extrema esquerda. O meu lado eu nem sei qual era, estava meio tonto e só pensava em minhas mãos naqueles cabelos de seda. Aconteceu.
Tivemos exatas vinte e quatro horas de armistício, mas se quiserem também podem chamar de lua-de-mel. Até que… tem sempre um “até que” na vida, isso eu aprendi. Até que eu fui na Bienal, ela não quis ir porque era burguês demais. Esqueci de dizer que ela era militante trotskista e gostava de me chamar de carioquinha alienado. Como na hora dos beijos ninguém diz nada, eu pouco me importava.
Mas, infelizmente, eu era carioca demais. E ela séria demais. Não é que tive a genial (só que não) ideia de comprar para ela um livro sobre o trotskismo… em quadrinhos ? D.R. ? Quem dera, esteve mais para um fuzilamento ideológico por via auditiva.
Mas o meu amor por São Paulo sempre foi correspondido.