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HISTÓRIAS DO ALVITO – Conto de Natal

HISTÓRIAS DO ALVITO – Conto de Natal

Foi um Natal diferente. Estávamos na casa da minha irmã e do meu cunhado, à época morando em Vitória. Não sei quem teve a ideia, mas depois da ceia improvisamos um sambinha. Mamãe, fadista lisboeta, só assistiu. Meu cunhado filósofo não fugiu à responsabilidade e encarou o surdo. Minha irmã, a voz mais afinada, cantou lindamente. E este que vos escreve bateu seu pandeirinho. No tamborim indefectível, a picardia de nosso pai baiano, Dario. Tudo isso depois de um banquete daqueles, com direito ao acepipe mais requisitado da família: os bolinhos de bacalhau de Dona Fernanda.

Fomos todos dormir de pança cheia e alma lavada. No meio da noite, o susto. Papai se contorcendo de dor. Infarto. Depois de uma temporada na UTI, sobreviveu. Mas os médicos avisaram que apenas metade do seu coração estava funcionando. Não sabiam quanto tempo ele iria durar. Viveu mais seis anos. Em parte graças aos cuidados de sua mulher, uma leoa para levá-lo ao médico e aos exames, para lembrar dos remédios e sobretudo, para tratá-lo a pão-de-ló.

Nesses seis anos papai mudou. Seus olhos de tom prateado estavam sempre brilhando. Para ele, oi e tchau não eram coisas banais. Abraçava com gosto. Era mais carinhoso. Não o vi reclamar de dor ou de qualquer outra coisa. Se fazíamos um samba o tamborim dele continuava afinado. Com metade do coração e tudo. Pelo sim, pelo não, mamãe nunca mais fez seu divino bolinho de bacalhau. Devia estar chateada com os deuses.

Tem dez anos que papai se foi. O tamborim ainda está aqui. A vareta com que ele batia também. Se eu fechar os olhos sou bem capaz de vê-lo espalhando sua alegria em um sorriso baiano.

Mas sem perder o ritmo. Jamais.