HISTÓRIAS DO ALVITO – Cornolândia
Escrevo no dia 25 de dezembro, mas esta não é uma história natalina, as galhadas aqui não são de rena.
Jamais consegui contar essa história, talvez por não saber direito o que pensar dela, quem sabe vocês me ajudam.
Estava no final do trabalho de campo em Acari. Era bastante conhecido de um grupo de homens, bastante ligados entre si por laços de amizade construídos desde a infância e reforçados por uma identidade comum de trabalhadores braçais. Era uma turma que acordava três da manhã para carregar caixa de tomate, cebola, laranja, tudo que você vê no supermercado era levado nos ombros deles.
Dava meio-dia, eles vinham embora, batiam um pratão de comida e iam pra birosca conversar com os amigos. Muitas vezes rolava um carteado à tarde, com apostas à dinheiro e pagas na hora, em meio a ruidosas celebrações de vitória e muitas brincadeiras. O futebol à tardinha completava o lazer. Mas lá pelas sete horas já estava todo mundo em casa para jantar e se preparar para dormir e encarar a madrugada de trabalho.
A língua de reconhecimento era a jocosidade, a brincadeira incessante uns com os outros, quase sempre de caráter sexual e nada leve. Era aquilo que provava, para eles e para outras pessoas, que eram amigos, porque se não fossem… Comigo pegavam leve. Um amigo que sabia que eu torcia pela Mangueira, me perguntava à época do Carnaval:
– Então, Marcos, você viu a Mangueira entrando?
A separação de gêneros era bem marcada, como explico em As cores de Acari. Muitos homens nem pulavam a cerca, já tinham um portão aberto na cerca para passar para lá e para cá o tempo todo. Talvez por isso, o medo da traição feminina era muito grande. Era um fantasma a rondar. E nada melhor para exorcizar um fantasma do que uma brincadeira…
Quando cheguei naquele dia, um amigo me estendeu um papelzinho a ser preenchido com espaço para colocação da foto e campo para a numeração. Explicou ser uma carteirinha da Cornolândia. Estava escrito assim: “O point dos cornos é aqui”. Nada do que vi lá me deixou tão sem voz. Percebendo, meu amigo ficou feliz, abriu um sorriso e disse:
– Nem adianta negar, você também é corno, eu sou corno, todos nós somos cornos…
Sei que vocês não vão acreditar na história. Por isso coloquei a foto. Não preenchi minha carteirinha de corno. Não por presunção. Mas por achar que em branco ela tem um caráter mais universal.