DENDEN
O caminho de Denise Rausch até DenDen foi espinhoso. Nasceu na pobreza, no interior de Minas Gerais. O pai, banhado em cachaça, fez gato e sapato da mulher e depois abandonou a família. A mãe, para criar dois meninos e duas meninas, tinha uma pensão barata. Denise, ainda pequena, mostrava personalidade e não gostava do desrespeito dos hóspedes. Na escola, surpreendia os professores pela inteligência e capacidade de trabalho.
Sem estímulo, sem apoio, em um ambiente hostil, fez como aqueles personagens de desenho animado quando caem num pântano ou na areia movediça: puxam-se pelos próprios cabelos. O estudo foi seu caminho. De exame em exame, de bolsa em bolsa, se viu cursando Economia na FGV. Ali, um renomado professor ficou impressionado com seu talento para trabalhar com números. E lá foi ela para um doutorado nos Estados Unidos.
Seu valor sempre acabava sendo reconhecido e ela consegue um ótimo emprego no Banco Mundial. O salário era polpudo mas a tarefa era complicada e perigosa. Denise tinha que viajar para países em desenvolvimento e checar o bom ou o mau uso da verba emprestada pelo banco. Foi ameaçada e não adiantou. Ofereceram-lhe suborno e não adiantou. E ela jurava que certa vez, em determinado país africano, tentaram envenená-la. Quem disse que vida de economista não tem aventura.
Casou-se com um canadense e teve dois meninos. Ficaram alguns anos juntos mas ele desapareceu sem dar aviso. Tinha suas próprias questões. Feliz com seus filhos, ela não pensava mais em casar. Numa dessas festas que congregam pessoas de diferentes instituições, uma mistura de evento social e de reunião de trabalho, nem percebeu o interesse muito especial que um economista inglês — este do FMI, lhe dedicava. Era solteiro, apaixonado pela observação de pássaros e ficou encantado ao ouvir a resposta que ela deu a quem lhe perguntou acerca do casamento: Denise disse que não havia dado certo, mas que gostava de casamento, tinha gostado de estar casada. Nenhum rancor, nenhuma queixa, nenhum remorso.
O tal inglês lhe telefonou e ela, distraída, nem lembrava dele direito. Mas ele insistiu. Denise aceitou sair com ele e logo o trouxe para conhecer os meninos. Depois, a decisão ficou na mão das crianças, pois caso elas não tivessem gostado dele, nada feito. Elas gostaram, muito, era um homem bom, gentil, educado. Os meninos não sabiam, mas tinham ganho um pai e tanto. Juntos, tiveram uma filha.
O tempo foi passando e depois da aposentadoria, finalmente ela era DenDen, cercada de filhos e netos. Sem falar em noras, genros, sobrinhas e sobrinhos, porque no coração dela cabia todo mundo. Gostava de cachorros, de romances policiais e de restaurantes. Se não era bem tratada, brigava, exigia. Se era bem tratada elogiava e deixava uma gorda gorjeta. Dizia que gostava de remunerar quem trabalhava bem.
Era ótima cozinheira e o feijão dela tinha um daqueles temperos pessoais e intransferíveis. Ir ao supermercado com ela era uma experiência antropológica. As geladeiras e os armários da cozinha pareciam estar se preparando para a Terceira Guerra Mundial.
Ignoro como aprendeu, mas sabia sambar no pé como ninguém e não faria feio numa ala das baianas. Mineira, um dos seus maiores prazeres era uma boa conversa em que ela passava a limpo sua vida, os bons e maus momentos.
Sua grande alegria, alma generosa que era: o Natal. Meses antes solicitava listas e listas a toda a família, para poder providenciar os presentes. Reclamava de quem pedia pouca coisa. A ex-menina pobre queria dar a todos o que nunca teve.
Foi embora desse mundo em um Primeiro de Abril, talvez para lembrar à gente que deve ser uma brincadeira, isso não pode ter acontecido.
Alguns dizem que ela foi minha sogra, mas eu duvido: toda vez que olhava para ela eu só via a DenDen.