/Histórias do Alvito – DESVENTURAS DE UM NEO-VELHO NA SELVA DIGITAL

Histórias do Alvito – DESVENTURAS DE UM NEO-VELHO NA SELVA DIGITAL

Histórias do Alvito – DESVENTURAS DE UM NEO-VELHO NA SELVA DIGITAL
O tal de M. Zuckerberg era um moleque de 20 anos quando criou esse negócio aqui. O tal de M. Alvito já tinha 28 anos quando teve o seu primeiro computador. Na verdade, a máquina fora feita para jogar videogames, mas insisti em usá-la para escrever uma dissertação sobre Atenas e a Invenção dos Bárbaros. A dita cuja veio à luz em uma impressora matricial (Google, meninos e meninas), aquela que funcionava na base da acupuntura em uma fita de pano embebida em tinta. As primeiras e únicas onze cópias deste texto lido por cinco pessoas (o autor incluído) vieram ao mundo em um parto que durou uma semana inteira.
Hoje em dia, aos 61, publico aqui e no Twitter, mantenho um podcast sobre GSV e a Universidade Livre do Alvito está prestes a alcançar 100 mil acessos. Parece que estou me gabando, mas não é isso. Quero apenas marcar que não sou propriamente um analfabeto eletrônico. Mesmo assim, vivo incomodado com a ditadura digital.
Já foram a uma agência do BB no dia do pagamento? Já viram a fila de velhinhos e velhinhas para usar a única máquina que não exige identificação biométrica (“dedinho”)? Maiores de 70 anos são hoje 28 milhões de brasileiros. Em sua esmagadora maioria trabalharam e contribuíram durante décadas para este país. Agora são “velhos”, culpados e humilhados cotidianamente porque não sabem usar um QR-Code, se esquecem de uma das mil e uma senhas que são exigidas o tempo todo em todos os lugares ou não conseguem fazer uma transferência por pix.
Se a tecnologia veio para ajudar, para facilitar, blá-blá-blá, porque na maioria das vezes veio para poupar mão de obra e diminuir as despesas de bancos e empresas, mas, fazendo de conta que veio para ajudar e facilitar, isso não deveria ser para todos? Adoro Paulinho da Viola. Pois acabo de ver um cartaz eletrônico de um show dele sem dia, local, horário ou como comprar os ingressos. Claro que, lá embaixo, à direita, um QRcodezinho desgraçado… Se você clicar ali, vai entrar em um site para comprar o ingresso, aí clica de novo e cai em um labirinto interminável de logins e senhas. E o Paulinho tá fazendo 80 anos, talvez ele não seja capaz de comprar um ingresso para o próprio show …
Tenho um lindo grupo de pessoas formando o Bando Diadorim, às quintas-feiras à noite. Nele há bom número de senhoras, todas 70+ e uma ou outra com mais de 80 anos. De início tiveram alguma dificuldade com o Zoom. E como não teriam? Todos tivemos paciência, procuramos ajudar e hoje as meninas estão craques na leitura e comentário do Rosinha sem a menor dificuldade tecnológica.
Odeio fazer exames de sangue. Não é pela picada, é pelo fato de ter que ir ao laboratório sem tomar café-da-manhã antes, o que considero uma tortura medieval que desmente os avanços da medicina. O fato é que fui e às 6:30 já estava plantado no laboratório. Meu médico, todavia, havia enviado a receita digital pelo zap e o Office (da empresa do tal mocinho M.Z.) não abria de jeito algum o arquivo. A moça logo achou que eu não sabia usar o meu celular e ficou surpresa ao ver que não era esse o problema. Sim, sou velho, tenho cabelos brancos (prateados, se forem meus amigos), mas sei usar o meu celular.
E se eu não soubesse? Seria uma vergonha? Quando eu nasci, minhas fraldas não vieram com QRCode. Apesar de tudo, por enquanto ainda consigo sobreviver na selva digital. Não sei por quanto tempo.
A população brasileira envelhece a olhos vistos. Não tenho muitas esperanças de que a tecnologia seja usada para acolher, ajudar e respeitar os mais velhos.
Até tu, Paulinho da Viola?