/HISTÓRIAS DO ALVITO – LINDINHA

HISTÓRIAS DO ALVITO – LINDINHA

Era uma suicida em potencial. Foi salva por mãos caridosas quando estava prestes a se lançar na Avenida Presidente Vargas em pleno meio-dia. Foi entregue a Dona Fernanda ainda com uma patinha meio avariada, que logo ficou boa.
Pudera, mamãe a cobria de carinhos e deu-lhe um nome-adjetivo: Lindinha. Mas como vocês sabem, ninguém é dono de gato, embora muitos gatos sejam nossos donos. Lindinha, além de suicida, era ciumenta até o extremo.
Quando filhos e netos iam visitá-la, tínhamos que disputar mamãe com a gata. A técnica de Lindinha sempre foi insidiosa. Primeiro ela ficava se enroscando nas nossas pernas para chamar atenção. Depois, se deitava de barriga para cima, pedindo carinhos. Quando descíamos a mão para tocá-la ela nos arranhava com as garras de quatro patas. De sangrar.
Mamãe não tolerava que se falasse mal da sua gata. Era a sua maior companhia. Creio que se entendiam bem. Mamãe era a pessoa mais carinhosa do mundo mas depois de certo ponto também sabia arranhar.
Mas ao contrário da Lindinha, mamãe nunca desprezou a vida. E três horas antes de morrer, sentada placidamente no sofá com a gata a seus pés, me disse a frase que jamais vou esquecer:
– Eu sou feliz.