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Histórias do Alvito – O DUELO

Histórias do Alvito

O DUELO

Dentre as competências exigidas de um professor ou professora, o domínio do tempo está entre as principais. Nos concursos que incluem a prova-aula, terminar no tempo exato ao mesmo tempo em que se deu conta do conteúdo é algo fundamental. Ao entrar em uma sala de aula, presencial ou virtual, sabemos que estamos iniciando uma corrida contra o relógio, que a areia da ampulheta não para de cair.

O domínio do tempo também é necessário em outro sentido: devemos saber quando fazer a transição para outro tema ou, ao contrário, quando alongar um tema que despertou uma atenção especial na turma e se mostrou particularmente relevante. Em sala a atenção dos alunos é um bem precioso e para conquistá-la o bom uso do tempo é indispensável.

Com o tempo, sempre ele, agora contado em anos, o professor ou professora adquire um controle “inconsciente”, parece que a dimensão temporal da aula foi implantada no cérebro. Claro que consulta seu relógio de pulso, seu celular ou até o relógio de parede, mas apenas para confirmar o que já sabe.

Na prova que fiz para me tornar professor universitário consegui terminar o tema e a aula em precisos 50 minutos. Mas nos primeiros anos, meu amor ao tema e a minha inexperiência eram tais que muitas vezes ultrapassei o horário. E eu dava aula no turno da noite, que terminava às 22 horas. Certa vez quem encerrou a aula foi o porteiro do prédio, louco para fechar as portas do estabelecimento.

Novamente, com o passar dos anos, adotei uma postura mais profissional, respeitando rigidamente os horários, por entender que os estudantes são seres humanos com outros compromissos, que têm horário para pegar a condução, para voltar para casa. Logicamente, também aprendi a controlar melhor o tempo da aula, sendo capaz de trabalhar o mais importante sem precisar extrapolar.

A mesma coisa tenho feito nos meus cursos rosianos, que começam pontualmente às 7 e terminam não menos pontualmente às 9. Mas, vocês sabem, o Rosinha é um menino maroto. Ontem, na aula com o Bando Sagarana, estávamos lendo e comentando uma das novelas mais espetaculares do livro: o “Duelo” que opõe o papudo vingativo Turíbio Todo e o ex-soldado da Força Pública e não menos vingativo Cassiano Gomes pelo amor de Dona Silivana, de olhos grandes de cabra tonta.

Eu estava em pleno furor pedagógico, apontando as inúmeras reviravoltas do enredo, as maravilhosas estratégias do autor para manter a nossa atenção, capazes de por no bolso muitos desses filmes americanos de suspense.

Neste momento, com toda a calma alegre de que dispõe, Fafafa, também conhecido como José Carlos Martins, dá um risinho e fala pra mim:

— Já viu o relógio?

Eram vinte e uma horas e oito minutos. Apesar de quarenta anos de sala de aula, eu havia esquecido da hora. Ou melhor, a magia do texto do Rosinha tinha me enfeitiçado a ponto de eu ficar vários minutos sem olhar para o canto da tela onde a hora se apresentava com toda a clareza.

No duelo entre a minha experiência profissional e a qualidade encantatória da literatura rosiana, adivinhem quem venceu?