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Histórias do Alvito – O RAPAZ DO BIGODINHO FINO

Histórias do Alvito
O RAPAZ DO BIGODINHO FINO
Acho que todo mundo tem direito a suas implicâncias prediletas. Herdei do meu pai o horror a barulho de saco de pipoca, de pessoas ruminando em frente ao que deveria ser uma obra de arte. Vou pulando para longe de cadeira em cadeira até ficar estatelado de pescoço torcido na primeira fileira. Sem falar no refri, que não é bebido mas chupado como se fosse respiração boca-a-boca: Sluuurp.
Outra implicância que cultivo com muito carinho: homens de cabelo pintado. Rockeiros de cabelo azul ou roxo, ótimo, acho sensacional. Mas aquele sinhozinho pintar cabelo e bigode de preto carvão? Fica parecendo mais canalha do que normalmente é. É irracional, injustificável que eu sinta isso, mas estou dentro da cota de implicâncias a que me referi. E não venham me dizer que vocês não têm nenhuma e que todos têm direito a escolher a cor do seu cabelo, blá-blá-blá, porque eu também implico com os fundamentalistas do politicamente correto, mas vou deixá-los para outro dia.
Hoje eu vim falar mesmo da questão daquele bigodinho fino, sabem como é? Só um traço sobre os lábios. Claro que muita gente boa usou: Freddie Mercury, Belchior, Martin Luther King e até Charles Chaplin. Mas, implicante que sou, acho que todos ficariam bem melhor com um bigode simples, sólido, sem tanta afetação. Acho bigodinho fino ridículo, sim estou com a caixeta implicância aberta.
Pois bem, e agora chego na história propriamente dita. Estava viajando com meu burrinho pelas estradas do Brasil quando parei num posto de gasolina. Veio atender um rapaz, baixinho, franzino e, é claro que já adivinharam, portador de um bigode mais fino do que barbante de padaria. Contive meu desagrado, sou implicante mas educado. O rapazinho começou a me bombardear, de maneira ritmada, com perguntas sobre o carro, se precisava disso, daquilo, daquilo outro ou mais isso e tal.
Espantado, mirei no centro do bigodinho, quer dizer, do rapaz, e lhe disse:
— Você deve ser muito metódico, não é?
— Mé … o que?
— Pra você entender: as roupas na sua casa devem estar todas bem arrumadas, organizadas, você é assim, não é ?
Aí ele abriu um sorrisinho – coerente com o tamanho do bigode, e disse:
— É, moço, é bem por aí.
Arranquei pensando: imagina o sorriso que ele teria dado se tivesse um bigode de verdade.
A questão não é ter ou não implicâncias e sim conhecê-las e mantê-las tão bem contidas e aparadas quanto um bigodinho fino.