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Histórias do Alvito – O SEGREDO DE ITAPOÃ

Histórias do Alvito
O SEGREDO DE ITAPOÃ
Rugia o ano de 1972 e papai comprou o que na época era um belo carro: um Corcel. A viagem inaugural? Do Rio até Salvador. Embora fosse a terra do seu nascimento, a escolha não fora por isso, pois papai não era dado a saudosismo. Órfão de pai aos 10 anos, depositado em um colégio interno de Petrópolis junto com o irmão mais velho, a infância era um território que ele procurava evitar. Papai adorava o futuro, sobretudo das cidades, vivia a imaginar seu desenvolvimento e expansão. Filho de engenheiro, vibrava a cada novo túnel, viaduto ou estrada.
E pela estrada lá fomos nós, papai dirigindo, mamãe pedindo a ele que não corresse. No banco de trás, eu e Nanda nos divertindo. Nas curvas, nos jogávamos para lá e para cá, praticando a arte de esmagar com carinho. Nas retas, cantávamos. Papai e mamãe deixavam. De vez em quando, papai vinha com a famosa brincadeira do “— Pescador passou por aqui e manjou Lambari”, aí a pessoa que era Lambari tinha que dizer “— Lambari não manja” e, perguntada, responder: “— Quem manja é Tainha…” e por aí vai. É fácil, mas depois de uma série de rodadas os nomes se misturam na cabeça e ocorrem os erros que levam todos a rir.
Uma das paradas, em uma pequena cidade mineira, me assombra até hoje. Contemplei, assustado, a brincadeira de um bando de meninos descalços com roupas aos farrapos. Sem bola ou qualquer outro objeto, se divertiam batendo uns nos outros, dando cabeçadas, rasteiras, empurrões. Não era o conflito de dois bandos. Era uma guerra feroz de todos contra todos. Menino de classe média, contemplei com horror e medo aquela nuvem de miséria para mim incompreensível e até então desconhecida.
Em Salvador ficamos em um hotel dos bons, ou melhor, papai e mamãe ficaram no hotel, eu e Nanda não saímos da piscina, que tinha até trampolim. Por isso, quando eles nos convidaram para passar um dia na formosa praia de Itapuã, recusamos com fervor. Mas achamos que eles nos obrigariam a ir. Que nada, deixaram que ficássemos sozinhos fazendo tibuns na piscina. Aquilo foi estranho.
Já estávamos virando peixes e perdendo a energia para saltar no trampolim quando eles retornaram. Estavam falando mais baixo. O olhar não tinha pressa e dele soprava uma brisa. Não falaram nada sobre a praia. Não disseram que havíamos perdido um grande programa ou que se tivéssemos ido seria maravilhoso. Sem entender, eu e Nanda entendemos que eles haviam deixado algum segredo por lá, enterrado nas areias de Itapoã. Amém.