O TRIÂNGULO DAS CONFEITARIAS

Eles eram estudantes de História. Colegas de turma. Ela, inteligente, bem falante. Ele reparou no contraste entre os cabelos negros e pele alva, para não falar de olhos que não poderiam ser mais redondos nem mais elétricos. Talvez até demais. O que sabia: detrás aqueles óculos enormes se escondia uma moça bonita. Decidiu convidá-la a um lugar sagrado para ver o que acontecia, como ela se portaria. Era, para dizer a verdade, um teste de sensibilidade. Desejava saber se havia nela ao menos um mínimo de amor à beleza.

Porque ele era uma alma romântica, que caminhava sobre as pedras do centro antigo imaginando tempos passados. No que eles tinham de pior e de melhor, o que apreciava eram as diferenças, o sabor próprio a cada época. E ela só tinha olhos para o futuro, para as transformações sociais e políticas, afinal a ditadura parecia finalmente no caminho do fim.

Na adolescência ele já era muito politizado, lia jornais alternativos, desde o Pasquim até Opinião e Versus, que viviam sendo censurados pela ditadura. Mas o seu interesse maior sempre fora a literatura e a arte em geral. Não entrava em partido algum, não fazia parte do movimento estudantil, aos olhos dela devia ser um “alienado” como se dizia à época.

Parecia um amor impossível, mas ele confiava na força do Belo. Aquela confeitaria do início do século, aquele vasto espaço com decoração da Belle Époque, talvez despertasse nela outras emoções. Está certo, ela respirava política, greve, sindicato, manifestação. Mas nada que resistisse a um café fervendo em um vaso de porcelana acompanhado de um docinho.

Doce ilusão. De nada adiantou ele apontar espelhos de dois metros em belas molduras de madeira trabalhada que criavam a ilusão perfeita de uma segunda sala e… ela voltava a falar na criação do novo partido a reunir a classe operária e fazer a revolução. Ele desistiu. Não somente de namorar a moça, mas também de tentar descobrir nela algum senso estético. E uma revolução, sem isso… pois maio de 68 já ensinara: “A imaginação no poder”.

Cerca de quarenta anos depois, mora em outra cidade, a mais de mil quilômetros de distância dos espelhos. Imaginem a alegria dele quando percebeu que seu apartamento atual se localiza mais ou menos no centro de um triângulo formado pelas três melhores confeitarias da cidade.

Porque a revolução não aconteceu.

O partido, hoje, é bom nem comentar.

Mas, o que é belo, continua belo.

Pronto, um texto politicamente incorreto para ser apedrejado. Favor evitar os xingamentos.