/HISTÓRIAS DO ALVITO – OS 147 E O BURRINHO PEDRÊS

HISTÓRIAS DO ALVITO – OS 147 E O BURRINHO PEDRÊS

Esperei 55 anos para ter o meu primeiro automóvel. Até então eu fora o infeliz proprietário de dois FIATS 147. O primeiro deles era um sentimental. Não podia ver chuva, não podia passar sobre uma modesta pocinha que ele parava. Quem chorava era eu. Era também muito criativo, a variedade de defeitos era notável. Até o dono da oficina, um sábio coberto de graxa, me alertou:
– Professor, isso não é automóvel pro senhor. Toda a hora o senhor está aqui me dando dinheiro, esse carro é tão ruim que o motor dele vem na posição invertida, nenhum mecânico gosta. O senhor tem que comprar um fusca, isso sim é que é carro pro senhor. Não dá defeito e se der qualquer um sabe consertar.
Não comprei o fusca, mas vendi o 147 para fazer minha primeira viagem à Grécia, tinha prometido aos deuses não morrer antes de ir à terra deles.
Um ano depois de voltar, esqueci o generoso conselho do dono da oficina e comprei outro Fiat 147. Acho que os deuses se enfureceram com a minha surdez. Este segundo era o bicho, quase tão azarado quanto brasileiro vivendo na Era Covid-Bolsonaro. As desventuras foram muitas e vieram em sequência.
Fui ao aeroporto buscar uma professora que viria fazer uma palestra na universidade. Na fila para pagar o extorsionamento, uma motorista distraída atrás de mim quebrou uma das lanternas traseiras do Fiat. Quando fui levá-lo à concessionária fui abalroado por um garoto de 16 anos andando a toda a velocidade. O 147 ficou quase destruído, foram meses de conserto e duas semanas de torcicolo por causa da batida. De volta às ruas, parou no meio do túnel Santa Bárbara e teve uma porta arrancada por um ônibus. Depois dessas duas tentativas de homicídio, vendi a perigosa geringonça.
Fiquei traumatizado. Em 2016, depois de me alforriar da universidade, decidi fazer uma viagem ao sertão de Minas Gerais, ao sertão de Guimarães Rosa. Foi aí que entrou em cena o Burrinho Pedrês, meu Ford Ka prateado. Ganhou o nome em homenagem ao protagonista da primeira novela de Sagarana, um burrinho velho, cansado, mas de valor. Esse bichinho já me levou três vezes ao sertão, sem problema algum (toc,toc,toc) e se os deuses forem bons me levará novamente ainda este ano.
O burro é um animal inteligentíssimo, muito mais prudente e confiável do que o estouvado e impulsivo cavalo. Quando o burro estaca é que há um perigo adiante, uma cobra, por exemplo. O que eu sei é que eu e o Burrinho temos nos dado muito bem. Finalmente eu tenho um carro.
Já os 147… À época os amigos brincavam comigo acerca do significado da sigla FIAT: Foste Iludido Agora é Tarde.