Histórias do Alvito
ROD STEWART MANÉZINHO
Como todo mundo sabe, Rod Stewart, antes de segurar o microfone e conquistar o mundo com sua voz rouca, empunhou a pá de coveiro. O que é visto como curiosidade, normalmente oposta à vida de superstar, pode ter ajudado Rod Stewart a entender a vida e as pessoas.
Foi o que entendi conversando com Cabelo, quando ele se dispôs a me mostrar o mocó, como é chamado o refúgio onde os vigias da tainha fazem suas refeições. É um lugar bem aparelhado, com fogão à lenha, todo o tipo de bebida e as lautas refeições atraem muita gente da comunidade que vem ali só para a farra.
No caminho, Cabelo me contou que foi pescador de alto mar, em barcos tão carregados de corvina que mal se via a borda acima d’água. Diz que de repente o vento vira e você se vê abraçando a morte, mas que a indesejada das gentes, por sorte, não quis abraçá-lo de volta. Começou muito jovem e ficou vinte anos enfrentando as ondas.
Depois disso, fez concurso para a prefeitura e passou para auxiliar operacional. Na prática, é coveiro, é ele que abre a terra para receber a matéria que já foi uma pessoa. Cabelo tem esse apelido por sua vastidão capilar domada por um simpático rabo de cavalo. É um sujeito brincalhão, bom de conversa. Diz que tenta confortar as famílias e já fez amizades com famílias e até namorou primas distantes dos falecidos e falecidas.
Afirma ter que ter muito preparo psicológico: faz sete a oito serviços por dia de segunda a sexta. Se segura bem, exceto quando é um funeral de anjinho ou criança, aí ele não se aguenta. Mas diz que tudo aquilo lhe ensinou a viver a vida, o dia de hoje.
Sem nenhum trocadilho, nem tudo são flores. Certa vez viu uma turma da pesada enterrando um homem e quando estava baixando o caixão sentiu o frio do cano da pistola encostando atrás da cabeça e o sujeito falando grosso:
— Esse cara que você tá enterrando foi o maior chefão do tráfico de Floripa…
Em seguida, algo mais surpreendente: o cidadão lhe estende um enorme cigarro de maconha e ordena o ritual:
— Ou você fuma, ou morre!
Bom, diz ele:
— Qual era o jeito?
Todo mundo conhece o Cabelo, a cada dez metros alguém fala com ele, o que viria a ser um problema, como vocês lerão em breve. É claro que ele fala também com quem ele não conhece, é um manezinho total (isso é um elogio, viu, gente?).
Pois bem, visitamos o mocó uma espécie de batcaverna dos vigias da tainha, pois eles têm que passar dias e dias ali, do nascer ao por do sol, sem desviar os olhos do mar, onde as cada vez mais raras tainhas podem apontar a qualquer momento. Reza a lenda que sempre aparecem no Dia das Mães, o que faz sentido, pois gerações desfrutaram da generosidade das tainhas.
Cabelo, no mocó, me ofereceu um gole. Eu não bebi, apenas aspirei o perfume de uma daquelas cachaças temperadas com ervas, uma delícia. Mas ele deu um gole, até bem mais do que um gole, para dizer a verdade.
Descemos a duna no alto da qual fica a casinha de madeira da vigia e alcançamos a praia neste lindo dia de sol. De repente, olho para o Cabelo e ele está bamboleando, parecendo barco balançando no mar bravio. Ele não poderia ter bebido, pois tem labirintite…
E lá fui eu rebocando um dos homens mais conhecidos do Pântano do Sul de braços dados… Vocês acham que cariocas são gozadores? É porque não conhecem os pescadores do Pântano do Sul. A todos eu já dizia:
— Estamos discutindo a relação…
Escoltei com carinho meu mais novo amigo até em casa, depois de prometer que não contaria nada para a mãe dele.
Espero que ela não tenha Facebook…