/Histórias do Alvito – UM A ZERO PRAS TAINHAS

Histórias do Alvito – UM A ZERO PRAS TAINHAS

Histórias do Alvito
UM A ZERO PRAS TAINHAS
Acordei da sonequinha de depois do almoço e fui para a praia. Ali vi homens correndo e gritando úuuuuu como se fossem apaches cercando uma caravana. Mais adiante, já havia um grupo deles puxando uma rede.
Era a pesca da tainha em Pântano do sul. Ou melhor, o arrasto de praia ou lanço. Mais cedo, Dona Bonita (é assim que ela é chamada) já havia comentado que o vento sul, apesar de frio, é que traz a tainha, que é pescada a partir de primeiro de maio, quando há uma festa de abertura, até o último dia de junho. Espalhadas pela praia, vi placas avisando que nesta época o surf não é permitido.
O que eu sei é muito pouco, mas talvez dê uma ideia. Quatro pescadores muito experientes ficam de vigias em uma casinha de madeira no alto das dunas antes mesmo do sol nascer. Quando percebem um cardume de sardinhas, avisam, inclusive tentando avaliar quantas são.
Não é uma ciência exata, porque as tainhas podem estar concentradas, ocupando pouca superfície ou espalhadas. No primeiro caso o seu número acaba sendo subestimado, no segundo, o contrário. Seu Leca, o mais antigo pescador do Pântano, me explicou que quando são muitas, quando estão concentradas, o mar adquire uma coloração avermelhada, por causa das ovas. Se estão dispersas, a cor tende para o amarelo. Os esquimós podem entender de tom de neve, mas quem entende de mar são os pescadores daqui.
Hoje, havia a possibilidade de pescar cerca de 800 tainhas. Mas às vezes se pescam duas mil, três mil ou mais. Logo parte um barco a remo, com cerca de seis, sete homens apenas, enfrenta as ondas e faz um percurso de meia lua levando a rede e cercando as tainhas. Aí se formam dois grupos, puxando um de cada lado até trazerem as desejadas tainhas até a praia.
Parece simples, mas tudo depende de técnicas tradicionais passadas de geração a geração. É claro que além do seu valor para a dieta e a economia dos pescadores, a pesca da tainha contribui para a identidade local, é mesmo um patrimônio cultural dos pescadores de Florianópolis.
E uma tradição bacana, igualitária: ao fim da jornada o produto do arrasto é dividido por todos e mesmo um turista, se puxar a rede, leva o seu quinhão. Eram só homens. Uma mescla entre jovens e homens de meia-idade, sendo que os últimos predominavam.
A única presença “feminina” era o barco que levava, como é de costume, um nome de mulher: “Terezinha”. Em um breve passeio pelo canto da praia encontrei uma Stela, uma Lurdinha, uma Maria Izabel, uma Maju, uma Cecília, uma doce vó Ilda e até uma gaiata Mariposinha.
As gaivotas também compareceram, um bando de pontos brancos no céu azul girando em torno das benditas tainhas, prontas para desfechar um mergulho e garantir o almoço.
Mas nem sempre a tradição dá certo. A turma fez muita força dos dois lados da rede, os homens conversando entre si animadamente enquanto os gritos de úuuuu não paravam. Depois soube que este alvoroço coletivo é chamado por aqui de Saragaço.
Mas, quando subiram a rede, havia menos de 200 sardinhas.
Os mais velhos criticaram de tudo um pouco, percurso ruim do barco, rede furada, pessoal que puxou errado, deixando muitas tainhas escapar por baixo e por aí vai…
Pois é, nem sempre tudo dá certo.
Um a zero para as tainhas.