Não mereci viver essa história, mas os deuses são bons. Posso ao menos retribuir compartilhando-a. Minha mãe era portuguesa, ou melhor, ainda é, porque vive na minha lembrança como a menina que foi criada na Travessa do Alcaide, número sete (vejam só), na cidade Alta de Lisboa, bem perto da imponente estátua do Gigante Adamastor. Filha de operário e costureira, acabou aportando no Brasil onde construiu uma família com o baiano Dario. Ela só pode voltar à sua terra mais de vinte anos depois e me levou na mala.
O que nos esperava no aeroporto era somente o inesperado. Todos os nossos parentes (não somos uma família grande) na amurada nos vendo desembarcar. De foto eu conhecia o meu avô e olhe lá. Mas isso não impediu que aquele garoto de dezesseis anos, magrelo, cabeludo e chato como todo adolescente, fosse abraçado e amassado feito massa de pão por cada um dos que nos esperavam. Era uma verdadeira muralha de abraços.
Nunca mais me recuperei daquilo. Deve ser o sangue, mas é só falar em Portugal, é só pensar na minha família de lá que os olhos se banham de saudade e as lágrimas correm feito o Tejo.
Saudade, meu avô Emílio, criança levada e alegre
Saudade, minha prima Juju, doce pessoa feita de bondade
Saudade, Tetinha, se tu estivesses ainda aqui, isso é que era bom
Saudade, Yen, eras boa demais para este mundo
Saudade, querido Zé, tu és um exemplo de dignidade, força e bom humor, sempre, pena que não deu tempo de te dizer isso
Saudade de todos vocês, meus primos queridos, Milai, Martha e João Paulo e crianças, Inês e Eduardo e crianças, Beatriz e família, Tia Edite e Carlos, Helena e todos mais.
Recebam, mesmo que muitos anos mais tarde, o abraço deste brasileiro que vos ama desde aquele dia de janeiro de 1977.
Marcos Alvito
P.S: Leitores, o que vocês estão esperando? Larguem o Facebook e vão abraçar aos seus.
PPS: Na foto, da esquerda para a direita: meu avô Emílio, Fernanda, minha mãe, o menino cabeludo e minha Tia Edite. Em 1977.
Olá primo,
Eu sou a Mariana, a neta mais velha da Juju, filha do Zé Afonso.
Ouvi muitas vezes falar dos primos do Brasil, mas hoje realmente tive mais contacto com a vossa história, depois da minha tia Beatriz ter enviado o artigo do Blog.
Tocou-me muito e gostava de lhe dizer que os abraços cá continuam, à distância de um oceano ou de uma simples mensagem, conforme a nossa perspectiva.
Beijos e abraços apertados, cheios de esperança de que tudo vai correr bem 🌈
Querida prima, a alegria tem asas e atravessa oceanos, ao ler tua mensagem, já vejo que a Juju conseguiu transmitir a humanidade e a doçura ao menos por duas gerações mais. Por cá teu primo também cultiva a esperança, a única que não abandonou os humanos segundo o mito da Caixa de Pandora, bela história que os gregos nos contam. Muito me orgulho, talvez seja melhor dizer alegro, da minha herança portuguesa de sentimento e afeto. Receba um abraço muito feliz do teu primo Marcos. E que lindo o teu nome: Mariana Alvito Faria… P.S: Se quiseres manter uma ponte no Facebook, lá meu nome é Alvitouff.
POEMA DE HOJE – Não te rendas – Mário Benedetti
Conhecia o Mário Benedetti romancista, autor do ótimo A borra do café, que resenhei aqui no site da ULA. No meu Grupo de Leitura de Grande sertão desta semana, uma aluna uruguaia, Elisa Friccielo, recitou este lindo poema do seu conterrâneo, um alento para tempos tão difíceis:
“Não te rendas”
Não te rendas, ainda estás a tempo
de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras
enterrar os teus medos,
largar o lastro,
retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos,
destravar os tempos,
arrumar os escombros,
e destapar o céu.
Não te rendas, por favor, não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento:
ainda há fogo na tua alma
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua, e teu é também o desejo,
porque o quiseste e eu te amo,
porque existe o vinho e o amor,
porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
tirar os ferrolhos,
abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos,
abrir as asas
e tentar de novo
celebrar a vida e relançar-se no infinito.
Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, porque eu te amo.
Mario Benedetti