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Histórias do sertão – Seu Toco Pequi – Parte 2

HISTÓRIAS DO SERTÃO – SEU TOCO PEQUI – PARTE 2 (final)

Seu Toco Pequi conta uma história deliciosa. Diz que havia uma família de “crioulos”, como ele diz, que sofria com a discriminação, eram chamados de “Tição”, de “Cajueiro” e de outras coisas mais, sempre de maneira depreciativa. Um dos irmãos, que era violeiro, arma um batuque e convida todo mundo. Chegando o dia da festa, já tendo avisado à família, ele começa a entoar uma cantiga feita para a ocasião:

“Eu fiz uma festa

É pra preto só”

E aí toda a sua família, em coro, emendava de voz grossa:

“Não caia na besteira

Porque branco vai entrar no cipó.”

Resultado, conta Seu Toco contendo o riso: “E os branco foi saindo, os brancos foi ó” (faz o gesto com a mão indicando que foram pra longe)

As cantigas do batuque também serviam para se vingar de um homem violento, que batia em todo mundo:

“Antônio Carabina

Era um homem insultador

Caiu numa tristeza

Que todo mundo gostou”

E o sapateado comia, diz Seu Toco Pequi rindo feliz.

Enquanto conversamos, durante minutos um beija-flor atrás dele fica voejando por ali. Tal qual o papagaio, deve perceber que ali está um amante da natureza, incapaz de fazer mal a eles.

Lembra que o batuque de antigamente era só viola, cantiga, palma da mão e sapateado. Conta que se recusou a fazer parte de um grupo de batuque da terceira idade porque o pessoal queria acrescentar sanfona e violão e para ele isso seria inaceitável.

Menciona também as “cantigas de roça”, cantos que entoavam em grupo enquanto trabalhavam de sol a sol. Podiam ser poéticos, até românticos:

“Ora, viva quem saiu

Também viva quem chegou,

Quem saiu foi uma rosa,

E quem chegou foi uma flor.”

Ou até doces protestos, com jeito de reivindicação por melhores condições de trabalho e até uma ameaça de greve:

“Patrão,

Patrão desculpa o que eu vou falar

Minha enxada cegou

Ela não pode mais cortar

Vou embora,

Ai, ai, ai,

Ô, Seu Deodato,

Sua roça vai ficar no mato.”

Sorrindo, diz que nessa hora o patrão aparecia com o garrafão de pinga para acalmar o povo. Segundo ele, trabalhavam muito, comiam muito e bebiam muito, mas que pegando firme na enxada e suando parecia que a cachaça não fazia efeito, saía no suor.

Conta que quando era novo bebia pouquinho. O problema foi quando começou a trabalhar no alambique do seu padrinho, perto de Corinto (mais ao norte). Aí foi a festa, o próprio trabalho obrigava ele a provar a pinga e obrigar talvez não seja o verbo apropriado. Ali se fazia também rapadura e farinha e o trabalho era muito duro, ia até a noite, quase até a hora de dormir. De madrugada o padrinho já o acordava para colocar os bois no engenho, pra moer a cana. A rotina era tão pesada que às vezes foi acordado quando dormia em pé.

De todos os trabalhos – e muitos foram – não gostava de “quebrar milho”, nem de “arrancar feijão”, nem de “capinar cana”, mas se divertia com a foice “roçando pasto” e gostava de cortar cana e tirar leite. Fazia tudo que fosse necessário, porque era obrigado a fazer, não tinha jeito. O único serviço que ele diz ter prometido nunca mais fazer foi o de carreiro (de bois), o pior de todos: “carreiro tem hora de sair mas não tem hora de chegar”. Aliás disse que isso era comum antigamente: às vezes tinha-se que trabalhar até à noite “só que o salário era o mesmo”.

Fico imaginando o quanto esse homem trabalhou.

(Continua)