HISTÓRIAS DO SERTÃO – SEU TOCO PEQUI (parte 3 – final)
E agora a última história contada por Seu Toco Pequi naquela deliciosa tarde-noite em sua casa. Quando entra no tema da vida difícil dos trabalhadores do campo naquela época, lembra a história de um lavrador que em situação desesperadora usa a foice para dar uma pancada na cabeça de um porco, amarra o bicho e vem trazendo ele pendurado nas costas até em casa. Acontece que ele trabalhava para um fazendeiro muito poderoso e que praticamente mandava na cidade, chamado Saturnino. Alguém viu o sujeito levando o porco e denunciou ao patrão. O fazendeiro acionou o delegado para prender o lavrador e fazer com ele o que se fazia naquela época.
O delegado na época era Juca Bananeira, que já apareceu aqui nas histórias de Brasinha, como o empregado do pai de Guimarães Rosa, designado por seu Florduardo para dar um jeito no menino Joãzito, que só queria saber de ler e de encenar que estava rezando missa. Tendo que cumprir a ordem, Juca e seus homens foram até a casa do lavrador. Lá chegando ficaram apavorados. Afora o sujeito, a sua mulher e as crianças, não havia mais nada: não havia cama, não havia mesa, havia umas panelas, mas não havia sal, nem açúcar, nem nenhum tipo de gênero alimentício. O porco fora cortado em pedaços e estava sendo assado no forno sem nenhum tempero, pois não havia.
Juca Bananeira e seus homens, antes de mais nada, fazem uma vaquinha e entregam o dinheiro na mão da mulher, mandando que ela comprasse o de comer, inclusive sal para temperar o porco. Diz a ela que assasse alguns pedaços e levasse para o marido na prisão. Explica que não tinha jeito, ia ter que prender o homem. Mas promete que não iria abusar dele. E assim o levam para a cadeia da cidade.
Chegando lá, Juca explica ao preso:
– Ói, nois vai fazer o seguinte: quando dé meia-noite, nóis vai bater nas parede da cadeia com toda a força, fazendo bastante barulho. Nisso, ocê deve de gritar muito, pedindo pra gente pará, essas coisa assim…
Dito e feito, meia-noite foi aquele estardalhaço e o homem gritando alto como se estivesse levando uma surra de pau. Repetiram isso mais dois dias, sendo que no terceiro o homem já aperfeiçoara sua representação:
– Pelamor di Deus, ocês mi mata logo que eu num aguento mais…
Na manhã do quarto dia, o fazendeiro aparece na delegacia, até um pouco arrependido:
– Olha, cês pode soltá o homi, que ele já apanhou demais da conta…
Creio que é uma história que Guimarães Rosa poderia ter contado, foi retrabalhando essa matéria-prima, dando-lhe um caráter universal, que surgiu sua obra. O mais bacana é que Seu Toco Pequi conta as histórias sem ênfase e não avisa: esta aqui mostra a injustiça e a opressão. Cabe ao ouvinte pensar e formular suas reflexões.
Gostaria de terminar estas histórias do sertão agradecendo a meus amados amigos Gustavo e Yan, que estão proseando prazerosamente com Seu Toco Pequi na foto. Zé Bebelo vai guardar a memória desse nosso Guararavacã de Guaicuí até virar pó levado pelo vento. Sem falar nas saudades da Gazela…