HISTÓRIAS DO SERTÃO – URUCUIA, MEU RIO DE AMOR – PARTE 2
Pegamos a estrada cedo, como de costume, na maior alegria, pois íamos chegar ao Urucuia. Na primeira meia hora paramos bastante para fotografar de tudo um pouco os dois lados da moeda: os poucos buritis que ainda resistem e o mar de eucaliptos, que formam o chamado deserto verde, esgotando o solo. Mas o dia era de festa. Como era sábio este Rosa. Quando vimos o Urucuia, este rio de verdes águas, alguma coisa aconteceu em nossos corações. Pena que foi por cima de uma ponte e não pudemos parar para fotografar direito, já que nesse trecho não há acostamento.
Mas seguimos em frente e chegamos na cidade por volta de meio-dia, depois de 362 quilômetros percorridos naquela manhã. Deixamos as coisas em um hotel singelo e honesto e lá fomos nós. Pedia a Yan, o fotógrafo especial da excursão, que fotografasse o meu batismo nas águas deliciosas, refrescantes e regeneradoras do meu rio preferido. Gustavo foi o oficiante da cerimônia e daquele ponto em diante eu me considerei um verdadeiro rosiano.
Em se tratando de Guimarães Rosa, é claro que o Urucuia se reveste de aspectos mágicos. Para começar, está na margem esquerda do São Francisco, a margem maldita, dos acontecimentos extraordinários. É “nos confins do Chapadão, nas pontas do Urucuia” que Riobaldo “queria formar uma cidade da religião”. No Chapadão em torno dele, Riobaldo esperava: “ver ainda uma igreja grande, brancas torres, reinando de alto sino” e acredita que daquelas terras sairia um dia “algum santo”, para desmentir a existência do diabo. É um rio tão ambíguo quanto Riobaldo, ao mesmo tempo cheio de “largos remansos” e “rio de brabeza”. Riobaldo afirma que “lá onde houve matas sem sol nem idade” e exemplifica: “A Mata-de-São-Miguel é enorme – sombreia o mundo…”.Conversando com Riobaldo, o jagunço Quipes afirma: “O Urucuia não é o meio do mundo?”.
Depois do meu batismo literário-espiritual, estava na hora do merecido almoço. Um delicioso peixinho com tomate, azeitona e arroz, servido ali num barzinho à beira do rio. Aí demos nosso golpe de sorte. Conhecemos um barqueiro chamado Zémar, barranqueiro dos bons, que nos levou a passear de canoa. Ele foi subindo o rio a favor do vento, sempre remando firme e com precisão. Gustavo leu em voz alta um trecho do Grande sertão pra sacralizar, Yan tirou fotos daquela beleza toda.
E eu, sempre menino, pedi pra ficar um pouquinho no remo, como a foto comprova. Digamos que tenho mais futuro como professor de literatura. Mas ao menos o barco não virou.
(continua amanhã)