“Quando eu tinha nove anos, minha mãe deu à luz uma menina. Agitado e contente, meu pai disse-me: ‘Esta noite você ganhou uma irmãzinha.’ Fiquei surpreso, pois nada notara antes. Embora tivesse percebido que minha mãe ficara de cama um pouco mais de tempo do que era usual, não me admirara, tomando isso por uma indesculpável fraqueza. Meu pai levou-me à sua cabeceira: ela mantinha nos braços um pequeno ser, extremamente decepcionante: a face era vermelha e enrugada como a de um velho, os olhos fechados, provavelmente cegos, assemelhavam-se aos dos cachorrinhos recém-nascidos. A ‘coisa’ tinha na parte superior da cabeça mechas de cabelos longos, de um louro avermelhado, para os quais me chamaram a atenção. ‘Aquilo’ se transformaria num macaco? Eu estava chocado e não sabia o que pensar. Seriam assim todos os recém-nascidos? Murmuraram algo sobre cegonhas que traziam as crianças… Mas como seria então quando se tratasse de uma ninhada de cães ou de gatos? Quantas vezes a cegonha deveria voar de um lado para o outro até que a ninhada ficasse completa? E quanto às vacas, como seria? Impossível imaginar a cegonha trazendo no bico um bezerro inteirinho. De resto, os camponeses diziam que a vaca paria e não que a cegonha trazia o bezerro. Essa história de cegonha devia ser um desses engodos que usavam para me manobrar. Estava certo de que minha mãe desempenhara em tudo isso um papel que eu não podia conhecer.”
(páginas 45-46)