“Minha mãe tinha o hábito desagradável de perseguir-me com bons conselhos, gritados da janela, quando eu saía para fazer uma visita ou aceitava um convite. Nessas ocasiões, não só vestia minha melhor roupa e usava sapatos bem-engraxados, como também experimentava um sentimento de grande dignidade, compenetrado da visita a fazer e da minha aparição em sociedade. Era uma verdadeira humilhação que as pessoas ouvissem na rua todas as coisas difamatórias com que minha mãe me acabrunhava, gritando: ‘Não se esqueça de transmitir as recomendações de papai e da mamãe e de assoar o nariz! Você levou o lenço? Suas mãos estão limpas? Etc…’ Eu achava absolutamente fora de propósito que ela revelasse a todo mundo os sentimentos de inferioridade que acompanhavam a importância que eu me dava, uma vez que, por amor-próprio e por vaidade, cuidara de minha aparência a fim de me mostrar irrepreensível. Essas ocasiões eram muito importantes para mim. Indo para a casa dos que haviam me convidado, eu me sentia importante, respeitável, como sempre acontecia ao usar a roupa de domingo em um dia de semana. Mas o quadro se modificava-se consideravelmente à vista da casa estranha. Minha impressão era de que a grandeza e o poder das pessoas que estavam lá me esmagavam.”
(páginas 46-47)