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Literatura três a um

LITERATURA TRÊS A UM

A literatura salvou a minha vida três vezes. Um dia eu conto. Mas também quase perdi a vida por causa dela. Tinha talvez uns quinze anos. Estava no primeiro ano daquilo que hoje se chama Ensino Médio. Era um ratinho leitor. Romance atrás de romance, vivia lendo. Passava as férias devorando quase um livro por dia.

Nosso professor de literatura era um coroa bem bacana, cabecinha branca, firme mas engraçado. Ele passava a leitura de um livro a cada dois meses, vejam só. Pois bem, um dia, no começo da aula, ele diz que está em dúvida quanto ao livro do bimestre. Eu pensei no pior e tentei guardar o mais rapidamente possível o livro que estava comigo.

Só que ele percebeu e perguntou, com aquela voz de trovão:

– Alvito, que livro você está lendo?

– Nenhum, professor.

– Mas e este aí que você está guardando, qual é?

Não houve outro jeito. Tive que levantar o livro e mostrar a capa. Era “Incidente em Antares” de Érico Veríssimo, um calhamaço de quase 500 páginas.

Machado bateu o martelo:

– Boa idéia, Alvito, o livro do bimestre vai ser esse aí.

O livro é bom, é ótimo, uma trama meio realismo mágico em que sete mortos insepultos passeiam pela cidade e contam os segredos dos poderosos. Sem dúvida uma maneira de denunciar a ditadura militar em 1971, quando foi lançado.

Mas os colegas e as colegas de classe não queriam saber disso, só viam aquele tijolaço e imaginavam uma maneira bem rápida e de preferência dolorosa de eliminar aquele CDF desgraçado, no caso eu.

Não me lembro como sobrevivi.

Aprendi que a literatura também tem seus perigos…