LOTERIA SILENCIOSA
Ele era um professor espetacular. Um remanescente de outra época, dos professores catedráticos. Da primeira à última palavra ele estava transmitindo conteúdo. E o conteúdo era excelente. Tenho até hoje um caderno cheio de anotações. Nós ficávamos extasiados e maravilhados diante de tanto conhecimento.
Mas não havia debate de textos, ele não nos perguntava nada. E quando um de nós ousava perguntar alguma coisa ele olhava o aluno ou aluna durante dois ou três segundos antes de responder. Como se dissesse: de que planeta você veio? Como ousa interromper minha aula? E na sequência punia a audácia estudantil com uma resposta de pelo menos vinte minutos.
Nós não sabíamos se morríamos de admiração ou de tédio. Afora aquela fala pausada, equilibrada e sem alterações do grande mestre, só acontecia mais uma coisa: ele fumava. Sim, naquele tempo se fumava em sala de aula. E ele, lento e magistral em tudo, também o era no momento de fumar. Sem parar de falar, sem perder o raciocínio, pegava o cigarro com a mão direita e o ficava rolando entre os quatro dedos e o polegar. Por alguns minutos, antes de leva-lo à boca e acendê-lo.
Um gaiato inventou uma loteria: cada um de nós se comprometia a pagar algo equivalente hoje a um real ou até menos em um bolão. Levava tudo, aquele ou aqueles que acertassem quantos minutos o mestre demoraria desde o momento em que tirasse o cigarro do pacote até que ele fosse aceso. Era um frisson silencioso toda vez que ele pegava um cigarro e maior ainda quando o acendia.
O que eu aprendi, além do conteúdo devidamente anotado no caderno? Que toda aula expositiva é uma espécie de morte e que na ausência do prazer, ele será buscado e inventado de alguma forma. A sala de aula é que nem um relacionamento amoroso: tem que haver prazer.