MAA DURGA
Um buraco no meio do peito. A tristeza aguda dos primeiros dias, virara uma melancolia sólida, pervasiva, bloqueadora de sonhos e alegrias. Alguns meses depois da morte da minha mãe, havia que abrir novos caminhos. Não sei por que motivo, eu sempre costumava receber emails de um Spa alternativo, convidando para retiros de Yoga. Eu já havia feito Yoga, por um período breve, apenas alguns meses, muitos anos antes. Havia sido uma experiência muito bacana, com uma professora cujas palavras eram tão poderosas que me fizeram chorar durante uma aula.
Sendo assim, não custava nada experimentar. O Spa ficava no fim de uma estradinha de terra em Mauá. Na verdade, ali já era Minas Gerais. Silêncio total. As instalações eram muito elegantes e confortáveis, com destaque para a sala de Yoga, que ficava em um lugar destacado, no alto, envidraçada e cercada de natureza por todos os lados. A comida vegetariana era deliciosa e preparada na nossa frente. Não eramos muitas pessoas, talvez umas seis ou sete. Ou seja, as condições eram ideais.
Mas o que fez realmente a diferença foi o professor, ou melhor, nosso mestre, Guilherme Cavalcanti, por todos carinhosamente chamado de Mestre Gui. Trinta e dois anos, magro, estatura mediana, barba negra, Mestre Gui sabia combinar leveza e firmeza, seriedade e alegria na condução da prática da Yiengar Yoga. Ademais, demonstrava um conhecimento profundo e uma enorme sensibilidade para perceber nossas dificuldades. A turma era avançada e não foi nada fácil para mim, mas ele sempre dedicou uma atenção especial para que eu pudesse acompanhar minimamente a aula.
Era uma aula mesmo no sentido mais amplo do termo. Não era uma mera sequencia de execução de posições. Antes delas havia toda uma preparação para que houvesse a necessária concentração e mesmo durante as práticas Mestre Gui enfatizava o lado mental e espiritual de cada ásana, ou postura. Sem fazer qualquer discurso a este respeito, todo o seu comportamento apontava para o lado sagrado – eu não disse religioso – da Yiengar Yoga. Ele liderava pelo exemplo. Eu saía sempre meio moído das práticas – que aconteciam duas vezes ao dia – mas muito contente, embora ainda não pudesse dizer que estava feliz.
Mestre Gui é músico, faz parte de um conjunto de música sagrada hindu chamado NadaBhaktas e no início das aulas ele sempre cantava algo, antes ensinando o significado da canção e nos estimulando a cantar com ele. Naquela noite, ele fez uma breve apresentação diante da turma. Cantou três músicas, uma para cada divindade, acompanhado de um instrumento indiano com um som que parecia vir do outro mundo. Depois de cantar, Mestre Gui nos falava um pouco de cada divindade. Primeiro ele cantou para Ganesha, o deus de cabeça de elefante e que é vencedor de demandas. Eu me alegrei com esta primeira canção e me identifiquei com este deus criança. Não me lembro mais da segunda canção, embora bela não foi tão marcante.
A terceira canção me atingiu em cheio. As lágrimas vieram com facilidade, as comportas se abriram. Era um música muito bonita, forte. Quando acabou, estava curioso para saber o que era. Mestre Gui explicou que era uma canção para Maa Dhurga. Maa Dhurga é uma forma de Devi Parvati, a deusa suprema. Maa Dhurga, ou mãe Dhurga é um aspecto guerreiro de Devi Parvati. E é mãe de Ganesha. Na minha lembrança, Mestre Gui nos ensinou que Maa Dhurga era capaz de fazer uma limpeza, uma destruição necessária para que tudo pudesse recomeçar.
Era o que eu precisava ouvir e sentir. Mestre Gui, assim que terminou de explicar, retirou-se para o seu quarto, para descansar e se concentrar para o dia seguinte. Deviam ser oito horas da noite. Também me retirei. No silêncio e na escuridão do meu quarto, cantei para Maa Dhurga. Cantava e dizia mentalmente para minha mãe que eu iria recomeçar, que agora estava tudo bem.
Obrigado, Mestre Gui.
P.S: Nada sei de mitologia indiana, portanto peço antecipadamente desculpas pelos possíveis erros deste texto. Ele tem um caráter pessoal apenas. Os acréscimos e correções serão bem vindos 🙂 🙂 🙂