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MÁQUINA DO TEMPO EM SAMPA

MÁQUINA DO TEMPO EM SAMPA

Não lembro se fui lá só para isso, o que é bem possível. Mas sei que foi uma experiência inesquecível. Uma exibição de um filme mudo no auditório da Folha de São Paulo, com direito a acompanhamento por um pianista, tarefa que nosso Pixinguinha desempenhou muitas vezes. A primeira coisa que aprendi foi como a música é o verdadeiro guia do sentimento no cinema. Prestamos atenção nas imagens mas enquanto isso é a música que induz a nossa interpretação e cria um clima propício à catarse cinematográfica.

Quanto ao filme, eu esperava que fosse apenas uma curiosidade. Era de um diretor norte-americano famoso, de cujo nome eu não lembro, nem tampouco o nome do filme. Recordo bem o conteúdo, um drama romântico, com uma cena final que à época deve ter sido o máximo. A linda mocinha de cabelo bem penteadinho está descendo um rio gelado em um pedaço de gelo que diminui a cada segundo, ou melhor, a cada 5 minutos, porque o ritmo do filme é totalmente outro comparado ao nosso, embora haja uma aceleração progressiva à medida em que a correnteza vai ficando cada vez mais forte. O mocinho, à margem, desesperado, tenta de tudo um pouco para salvá-la. Ele consegue, claro, mas só depois do que me pareceram uns 15 minutos de tentativas. Foi esse ritmo, bem mais lento, mas que claramente à época parecia frenético, o que me encantou.

Aquele filme funcionou como uma verdadeira máquina do tempo. Não para me ensinar algo sobre o amor romântico e a questão de gênero nos filmes mudos ou coisa assim, o que também seria válido. O mais sensacional era perceber um andamento do tempo completamente diferente dos dias de hoje. Fiquei imaginando a plateia original daquele filme tendo que assistir a um filme de Oliver Stone em que de 10 em 10 segundos há um corte, ou mesmo tentando ver um videoclipe. Como se dizia antigamente, se fossem obrigados a jogar um videogame seria uma experiência de fundir a cuca. Aprendi que até nossos cérebros funcionam no ritmo da história.

Quando ensinava História Antiga, costumava dizer que estudar os gregos era fácil, o difícil era entender que eles existiram realmente. Estudar seu sistema político ou sua literatura é algo até certo ponto tranquilo. A grande barreira, e é isso que aquele filme proporcionara, é tentar perceber como era a sua existência, em que dimensão do tempo eles viveram. Claro que é uma missão impossível e exatamente por isso a carreira de historiador e de professor de História é tão interessante. A experiência com o filme mudo, embora não tenha permitido entrever completamente como pensavam as pessoas da época, permitiu que eu tivesse uma consciência maior da especificidade, da qualidade do ritmo de vida do meu próprio tempo.

Na máquina do tempo da História, a viagem de volta é mais importante do que a ida: a viagem ao passado é apenas o meio para retornar ao presente com outros olhos.