/NÃO SE FAZEM MAIS ROBÔS COMO ANTIGAMENTE

NÃO SE FAZEM MAIS ROBÔS COMO ANTIGAMENTE

NÃO SE FAZEM MAIS ROBÔS COMO ANTIGAMENTE

Dois acontecimentos históricos marcaram a minha infância. Falo daqueles que eu pude perceber mesmo sendo criança. Um deles, o mais espetacular, foi a conquista do tricampeonato pelo melhor time de futebol que já vi jogar: a seleção de 1970. Lembro que meus pais me permitiram ir até a esquina da Voluntários da Pátria onde eu vi uma festa indescritível, com a rua toda parada, gente buzinando sem parar, confete e serpentina pra todos os lados como se estivéssemos em fevereiro. Era uma vibração tão potente que chegava a ser assustadora para um menino de dez anos.

Um ano antes, a chegada do homem à Lua também havia me mobilizado. Foi vista numa pequena tevê preto e branco, mas lembro de toda a família reunida com os olhos grudados na tela. Lá em casa não havia dúvida quanto à veracidade do fato, mas cansei de ouvir de outras pessoas que aquilo era mais um golpe dos americanos. O que curiosamente lembra um conto magnífico de Ray Bradbury, em Os Contos Marcianos, em que o pai, sem dinheiro, compra um foguete no ferro velho e projeta um filme de uma viagem à lua para realizar o sonho de seu filho.

Sobre essa ideia de um truque dos americanos, muito mais inteligente e sensível foi Jorge Bem em “Take it easy my brother Charles”, ao perceber o significado para a humanidade:

“Depois que o primeiro homem
Maravilhosamente pisou na lua
Eu me senti com direitos, com princípios
E dignidade
De me libertar”

Seja lá como for, alguns anos depois me tornei leitor de ficção científica e antes disso, telespectador de algumas séries como Perdidos no Espaço. Onde havia, é claro, um robô. No início da década de 70, eu e minha irmã Nanda ficamos vidrados no filme Aventuras do Tio Maneco, obrigando papai a nos levar ao cinema umas 7 ou 8 vezes. A cena mais engraçada envolvia um robô, bem no estilo brasileiro, que desabafava: “Eu não aguento mais esse velho”.

Na adolescência, meu fascínio por robôs subiu de nível com a leitura do clássico Eu, robô, de Isaac Asimov. Ali os robôs deixavam de ser mera curiosidade e o autor usava das possibilidades da ficção para imaginar os possíveis conflitos no relacionamento entre humanos e robôs, inclusive criando as famosas três leis da robótica para tentar regular isso. Depois disso foram muitos robôs presentes em filmes variados, até o absolutamente incomparável Blade Runner, de 1982, em que a reflexão acerca dos androides é na verdade um diálogo acerca da natureza humana.

Hoje, infelizmente, vivo cercado de robôs de outro tipo. É o robozinho chato que me liga oferecendo empréstimos. É o robozinho mais chato ainda que me “atende” quando ligo para reclamar da televisão à cabo. É o robô-pardal que te multa quando você passa a 32 quilômetros por hora ao invés de 30. É o robô que vigia todas as suas buscas e postagens e vive te oferecendo uma passagem para Porto Alegre que você comprou para o seu filho. É o robô da Polícia Rodoviária que avisa ao guarda quando alguém com a carteira vencida passa por ali. É o robô-hacker que te manda regularmente mensagens envenenadas.

Enfim, é um batalhão de robôs que enchem a minha, a tua, a nossa paciência. É o robô –câmera que permite ao porteiro ficar vendo você beijar sua namorada no elevador. Sempre ao serviço do mercado ou da polícia, para fazer mais dinheiro ou para vigiar, controlar. Se algum dia tivermos um sistema completamente totalitário – o que está aí já é o início – vai ser muito difícil escapar das garras da repressão.

Já não se fazem mais robôs como antigamente.