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Vestido de vermelho

Ali estava ele na estação de metrô, vestido de vermelho da cabeça aos pés, boné vermelho, óculos escuros e bastão de cego. Ele estava fazendo a mesma coisa que eu,  voltando de um jogo de beisebol do time da cidade, o Washington Nationals, equipe que representa a capital dos Estados Unidos no campeonato da liga nacional do esporte, a Major League Baseball. Esqueci de dizer que ele também portava um enorme rádio que segurava junto ao ouvido e que deve ter permitido a ele acompanhar o jogo, além de decifrar o barulho da torcida e até, dependendo de onde tivesse sentado, do bastão se chocando com a bola.

O beisebol, que já foi o esporte norte-americano por excelência antes de ser ultrapassado pelo futebol americano, é um bocado idiossincrático. A maioria dos esportes de massa de hoje consiste na variação em torno de um tema: invadir o território adversário e plantar sua presença na parte mais recôndita da terra inimiga. O futebol coloca a bola dentro do gol adversário, assim como o hóquei no gelo, o basquete dentro da cesta, e o rugby e o futebol americano têm que levar a bola além da linha (no caso do rugby a linha já vale e a bola tem que ser colocada no solo). De qualquer forma, traduzindo: a maior parte dos esportes é uma espécie de imitação guerra com regras.

O beisebol foge a isso. Não há propriamente conquista de território. Há um sujeito arremessando a bola (o pitcher) e um rebatedor. O objetivo do rebatedor é conseguir mandar a bola para longe, de preferência nas arquibancadas, para que dê tempo a ele de percorrer as bases e voltar à base inicial. Por isso que essa jogada, que dá um ponto, é chamada de “home run” ou volta para casa. O rebatedor não invade nenhum território nem deposita a bola em um lugar especial, ele apenas aproveita a boa rebatida para retornar ao lar. O contato físico é eventual e totalmente desnecessário enquanto no caso dos outros esportes de massa as partidas são verdadeiras batalhas, havendo uma disputa muitas vezes violenta pela bola ou pelo disco no caso do hóquei.

O beisebol, com seu lindo campo verde em forma de um leque aberto (costumam chamar de diamante), é um esporte com claros aspectos rurais. É jogado no verão, após a colheita. Já vimos que visa o retorno circular – como das estações – e não o avanço linear (medido com precisão em jardas no caso do futebol americano). Jogadores de beisebol costumam mascar e cuspir tabaco o tempo todo. Mesmo nos estádios mais modernos, é uma tradição comer amendoins e largar a casca no chão, o que não é feito com as latas de coca-cola ou as embalagens de cachorro-quente.

Mas o principal diferencial do beisebol está na questão do tempo. Um jogo de beisebol dura o quanto durarem suas nove “entradas” ( innings). Isso significa alguma coisa entre quase duas horas e mais de seis horas. Claro que se pensa em mudar isso, mas a tradição persiste, esta imprevisibilidade faz parte do charme e da tradição do jogo.

Naquele dia demos sorte: ao chegarmos ao estádio um casal apareceu do nada e nos cedeu os ingressos, que de qualquer forma são normalmente muito mais baratos do que os do futebol americano ou do basquete, porque o número de jogos de cada equipe durante a temporada regular é inacreditável: são 162 partidas.

Para não perceber como o beisebol é um esporte interessante e diferente, é preciso ser bem mais cego do que o torcedor que encontrei vestido de vermelho dos pés à cabeça.