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O chuveiro elétrico e o destino da nação

O CHUVEIRO ELÉTRICO E O DESTINO DA NAÇÃO

Era uma vez uma universidade à beira de uma linda baía onde botos já nadaram. Ali, pela escassez de livros na biblioteca, pela falta de dinheiro para comprar livros e por comodismo também, professores e professoras, alunos e alunas gastavam regularmente seus cobres fazendo fotocópias de introduções, conclusões, capítulos, artigos e mais partes de obras esquartejadas sem piedade. Tudo isso gerava uma boa oportunidade de negócio, abrir uma loja que, na linguagem nativa, era chamada de Xerox.

Uma destas Xerox era de propriedade de um militar aposentado, trabalhador pé-de-boi, que chegava mais cedo que todo mundo ao campus. Era um sujeito de voz altissonante, porte altivo, educado e gentil com todos. Era evangélico a pequena tevê do estabelecimento vivia a mostrar a pregação dos pastores eletrônicos. Só não sabia fazer cópias muito bem. Mas isto era compensado por seu único empregado, que vou chamar de Alex. Alex gostava de samba, tinha um jeito malandro de falar, sabia contar uma piada e era chegado a uma cerveja. Na fotocópia, fazia tudo rápido e bem, era impecável.

Um dia, o dono da Xerox, decide despedir Alex, cansado com atrasos e com as ressacas que o empregado ostentava em certas manhãs, sobretudo às segundas-feiras. Para substituí-lo contrata dois empregados: um rapaz de uns quinze anos e uma mulher de uns trinta e poucos. A Xerox, sem Alex, virou um caos. O rapaz e a mulher não entendiam os pedidos, confundiam tudo e não sabiam fazer operações simples como reduzir o tamanho de uma cópia ou tirar cópia de duas folhas ao mesmo tempo. Tudo passou a demorar muito, os clientes começaram a reclamar, o dono falava cada vez mais alto e mais grosso… Como gosto de paz e amor, resolvi dar um tempo e frequentar uma outra loja.

Dois meses depois voltei, achando que seria tempo suficiente para a dupla aprender, já que o dono mesmo não ia aprender nunca. Que nada: tanto o rapaz quanto a mulher continuavam a cometer os mesmos erros. Pareciam ser imunes à aprendizagem de operações simples. Um mistério.

Corta para a obra do meu pequeno apartamento em Santa Teresa. Pintor e pedreiro nota dez. Aí chegou a hora de contratar um eletricista. Veio um senhor recomendado, sessentão, cabelos brancos e voz firme, que me explicou com toda a clareza o que havia de ser feito, os tipos de cabo, fusíveis, etc e tal. Ele trocou tudo, estava quase pronto para a mudança. Vou numa loja de material de construção e compro um belo chuveiro elétrico. Belo demais. O senhor eletricista, diante da geringonça, disse não saber montá-la. Mostrei a ele o manual de instruções e nada, ele continuou dizendo que não sabia como fazer. Um profissional com décadas de experiência confessava não saber instalar um reles chuveiro elétrico.

Afinal, o que a Xerox e o chuveiro elétrico têm a ver com o destino da nação? É muito simples. O que se aprende na escola não é Geografia, Matemática, História, Física ou Literatura. O que deveria se aprender na escola é como aprender. Um país com pessoas pouco escolarizadas é um país em que a maioria aprende a fazer uma ou duas coisas muito bem por conta da repetição, mas que tem pouca capacidade de aprender coisas novas. Em um mundo que se transforma numa rapidez e profundidade nunca antes ocorrida na História, uma nação em que um jovem operador de Xerox não sabe aprender a fazer cópias e um experiente eletricista não sabe ler um manual de instalação de um chuveiro é uma nação que está optando pelo suicídio a médio, talvez curto prazo.

Agora já imaginaram que estes dois episódios se multiplicam milhares de vezes pelo Brasil todo? A educação de qualidade, formadora, é relativamente cara.

Mas o preço da não-educação é infinitamente mais alto.

P.S: Sim, o chuveiro foi instalado. O pintor, um paraibano que entende tudo de obra, leu e releu o manual até decifrá-lo e corajosamente fez a geringonça funcionar. Também há pessoas assim, excepcionais, elas é que são o verdadeiro milagre brasileiro. O Alex? Não ficou nem uma semana desempregado: logo foi contratado pelo dono de outra Xerox.