/O DIA

O DIA

Há dias e dias. O dia em que descobri as desventuras do amor aos seis anos de idade. Ela exigia que eu fosse parecido com um tal de Ringo Starr e, acreditem, meu nariz não era grande o suficiente. O dia em que falei para um auditório lotado na ABI aos catorze anos e gostei para sempre da mistura de medo e excitação. O dia em que quebrei o pé e sem outra coisa para fazer fui obrigado a ler, bendita fratura. O dia em que conheci minha primeira namorada em um baile de carnaval em Teresópolis. O dia em que fui obrigado a raspar meus cabelos e soube que teria que prestar serviço militar, 300 dias contados e riscados um a um com caneta vermelha. O dia em que ouvi, ouvi e ouvi meu primeiro elepê de Bob Dylan. O dia em que decidi largar o curso de Comunicação Social pelo de História, sem saber que minha vida mudava para sempre. O dia em que o Botafogo goleou o Flamengo por seis a zero e eu, único rubro-negro da turma que não tinha faltado à aula, avisei que haveria revanche.  O dia em que meu filho resolveu nascer, um mês antes, ansioso que nem o pai. O dia em que entrei na penitenciária aterrorizado e alarguei minha noção de humanidade. O dia da minha primeira aula como professor na UFF, depois da qual eu pensei: não dou para isso. O dia em que fui apresentado à morte ao ajudar a levantar o corpo já endurecido da avó muito amada. O dia em que vi um show de Cartola em um ginásio, sentado a dois metros dele. O dia em que subi a Acrópole em um   janeiro gelado gritando feito um bárbaro. O dia em que conheci meu mitológico avô português. O dia em que briguei com uma turma inteira e eu estava errado. O dia seguinte em que calcei as sandálias da humildade e pedi desculpas a todos. Os muitos dias em que a vida é uma fera à solta a devorar nossos sonhos.

E esta manhã primaveril de outubro em que escrevo. Como será este dia? Depois de viver eu conto.