O PEQUENO LADRÃO DE CHOCOLATES
Toda a semana era a mesma coisa. Aos sábados, vovó Celé aparecia para almoçar conosco. Vinha sempre bem arrumada em seus vestidos estampados, pulseiras, colares e o cabelo cheio de laquê como as senhoras usavam àquela época. Na sua enorme bolsa havia sempre dois chocolates Diamante Negro. Um para minha irmã, outro para mim. Vovó fazia algum suspense mas sempre acabava por nos deixar abrir a bolsa e procurar com mãozinhas ávidas nosso chocolatinho.
Não diminuam o valor daquele cacau de sábado. A época era outra. Refrigerantes eram coisa de aniversário e durante a semana não havia chocolate algum em casa. Levávamos merenda e um dinheirinho que só dava para balas. Uma vez por mês, quando papai e mamãe faziam compras nas Casas Sendas, minha irmã e eu tínhamos direito a uma mordomia: comer um ou dois pedaços de pizza na lanchonete. Sendo assim, aquele Diamante Negro trazido por vovó Celé era um bem precioso.
Lá em casa havia regras, sobretudo alimentares. Só depois de almoçarmos bem é que tínhamos direito à sobremesa e só depois da sobremesa é que vinha o tão esperado Diamante Negro. Mesmo nessa hora, havia para mim um problema adicional. Minha irmã. Não me entendam mal, eu e ela, três anos mais nova, sempre nos demos muito bem. A gente simplesmente não brigava, por nada. Se mamãe vinha bater nela, eu ficava na frente. E vice-versa. Até hoje, quando me elogiam enquanto pessoa, sempre digo: eu não sou nada, você precisa conhecer minha irmã.
Mas havia um descompasso na hora de comer o chocolate. Talvez o verbo devorar fosse mais apropriado para mim e para ela, o degustar. Eu já saía rasgando a embalagem e mordendo o Diamante Negro com mil bocas. Minha irmã, enquanto isso, abria lentamente o invólucro do seu chocolate e depois começava a mordiscá-lo sem a menor pressa, calma e tranquilamente como é do seu temperamento. Se alguém aí ainda se lembra de como é ser criança vai entender o que vou contar. Aquilo sempre me exasperava, porque depois de traçar o meu, tinha que ficar olhando minha irmã por longos e longos minutos a apreciar seu chocolate.
Neste dia, eu devia estar com 8 ou 9 anos, a história foi diferente. Comi o meu chocolate com uma avidez inusitada. Não satisfeito, roubei o chocolate da minha irmã e o comi mais rapidamente ainda. Minha irmã ficou mais assustada e surpresa do que zangada. Aquilo era a quebra de um pacto secular. Mas é claro que mamãe tinha que tomar alguma providência para punir aquele pequeno ladrão de chocolate.
Foi simples. Ela me deu dinheiro para ir até a padaria comprar dois chocolates. Os dois, é claro, para a minha irmã. Mamãe sabia o que estava fazendo. Além da vergonhosa caminhada até a padaria, ela me fez ficar sentado assistindo minha irmã comendo seus chocolates. Ela demorava um século para comer um. Será que vocês têm noção de quanto tempo ela demorou para degustar dois malditos Diamantes Negros?
Assim foi cortada pela raiz uma promissora e auspiciosa carreira de um ladrão de chocolates.